Por Washington Novaes
Da mesma forma que terminou 2008, este ano começa com graves notícias e ameaças na área do clima - inclusive no Brasil. O ministro da Agricultura anuncia uma perda de até 8% na produção agrícola na safra 2008-2009, principalmente por causa da seca que atinge Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul. No Paraná já se constatam perdas de 39,7% na safra de feijão, 37,1% na de milho. As notícias vêm na sequência dos dramas provocados por deslizamentos de encostas e inundações em Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, com centenas de milhares de desalojados, dezenas de milhares de desabrigados, centenas de mortos, pontes e rodovias destruídas, etc., etc. Ao mesmo tempo, estudo da Universidade Federal de Minas Gerais indica que poderá haver perda de até 11% na produção agrícola do Nordeste brasileiro, por causa de mudanças do clima. A Argentina alarma-se com redução de até 60% nas safras em certas áreas do país, principalmente no oeste. E anuncia-se que os gelos polares poderão desaparecer até meados deste século.
Mas a nossa quase-paralisia diante do problema não chega a surpreender, tanto tem sido o descaso com o quadro global que a ciência tem descrito reiteradamente. Ainda neste começo de janeiro, o respeitado Worldwatch Institute divulgou o seu Estado do Mundo 2009, preparado por 47 cientistas e com apoio do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). E não hesita em afirmar que é indispensável acabar até 2050 com as emissões de gases que intensificam o efeito estufa. É fundamental que elas cessem de crescer até 2020, baixem em pelo menos 85% até meados do século e depois se estabilizem, no mínimo. Porque a temperatura do planeta já subiu 0,8 grau Celsius, subirá pelo menos mais um grau em consequência do carbono já acumulado na atmosfera e que ali permanecerá durante muito tempo. Na verdade, um diagnóstico até otimista diante do que afirma a Agência Internacional de Energia: o aumento da temperatura será de 3 graus. Será preciso, diz o Worldwatch, investir a cada ano entre US$ 1 trilhão e US$ 2,5 trilhões para evitar um quadro ainda pior - mesmo em meio à gravíssima crise financeira de hoje. Se não for assim, o quadro será "dramático", com um planeta "hostil ao desenvolvimento humano e bem-estar social". Rajendra Pachauri, presidente do IPCC e Prêmio Nobel da Paz, diz que, no ritmo de hoje, as transformações no mundo "podem ultrapassar nossa capacidade de adaptação".
Embora menos quente do que 2007, 2008 ainda foi um dos dez anos mais quentes desde que se registram temperaturas, todos de 1997 para cá. Por isso, diz a Organização Meteorológica Mundial, a "tendência mais forte hoje sem dúvida é pelo aquecimento". E "calor extremo pode vir a ser a regra em 2100", escreveu Herton Escobar (Estado, 9/1), com base em estudo publicado pela revista Science. As temperaturas médias no verão poderão ser mais altas que as máximas até aqui registradas nos anos mais quentes. E as regiões tropicais, onde estamos, poderão ser as mais atingidas - probabilidade altíssima, segundo o Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de Washington. Cada grau a mais na temperatura poderá significar perdas na agricultura de até 16%.
Um quadro como esse sugeriria que o Brasil adotasse uma política avançada e urgente em matéria de clima. Mas continuamos muito longe disso. O próprio ex-secretário-geral do Ministério do Meio Ambiente (MMA) João Paulo Capobianco - que conhece de perto o problema, por havê-lo tido entre suas ocupações durante anos - diz (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, 8/1) que "o avanço do Brasil na área do clima é tímido, muito aquém do papel que deveria desempenhar". A seu ver, a "fragilidade" do Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) é evidente, "sem propostas concretas e mensuráveis". E isso inclui a questão da Amazônia, fundamental, já que 75% das emissões brasileiras de gases se devem a mudanças no uso do solo, desmatamentos e queimadas, área em que o bioma responde por 59% do total. Capobianco, bem ao contrário do tom triunfalista que tem cercado os atuais pronunciamentos governamentais nesse campo, lembra que a meta (voluntária, não obrigatória, no âmbito da Convenção do Clima) de reduzir em 40% o desmatamento na Amazônia entre 2006 e 2010, comparando com a média do período 1995-2005, "é muito pouco", pois, na verdade, "praticamente já havia sido atingida". E bastará manter o desmatamento estável durante os próximos dois anos, "à taxa absurda pouco abaixo de 11 mil quilômetros quadrados anuais", para assegurar a meta (mas nem isso tem sido conseguido: o último balanço acusou área pouco inferior a 12 mil km2).
Não bastasse isso, o ex-secretário-geral do MMA afirma que na Amazônia "quase nada tem sido feito em direção ao desenvolvimento sustentável". De certa forma, seu pensamento é corroborado pelo próprio ministro atual do Meio Ambiente, que afirmou (Correio Braziliense, 21/12) haver tido há cerca de quatro meses uma reunião com os ministros Mangabeira Unger, Reinhold Stephanes, Nelson Jobim, Tarso Genro e Guilherme Cassel exatamente para tratar de uma estratégia conjunta. Mas de lá para cá, segundo ele, nada aconteceu. Se não acontecer, como será? Continuaremos com as atuais taxas de desmatamento? Já há indícios de que as emissões brasileiras, no mínimo, dobraram, do inventário de 1994 para cá).
Em toda parte, governos e empresários já se deram conta de que a crise econômico-financeira é uma oportunidade para mudar padrões de produção e consumo, formatos de produção de energia, transportes, etc. Aqui o imobilismo é inquietante. Nem sequer pensar a matriz energética conseguimos: embora o consumo já tenha caído no final do ano e não haja vislumbre de crise de abastecimento, continuamos a privilegiar usinas termoelétricas, as mais poluidoras.
Washington Novaes é jornalista
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