quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O Globo - Crise econômica muda o tom de críticas do Fórum Social Mundial

Por Soraya Aggege
Enviada especial

Ativistas marcham contra desmatamento, concentração de renda e Israel

BELÉM. O Fórum Social Mundial (FSM) abriu ontem sua nona edição com uma novidade: pela primeira vez não queimou uma bandeira dos EUA, nem gritou “Fora Bush”. Instituições econômicas, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (Bird), também saíram dos alvos do FSM, porque teriam sido derrotadas pela crise. Milhares de ativistas marcharam por Belém ontem, sob forte chuva, contra a liberação de verbas públicas para bancos, a concentração de renda, os ataques de Israel a Gaza, o desmatamento, a corrupção, o preconceito.

Hoje, o FSM começa os debates na expectativa da visita de cinco presidentes latinos, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva, que trocou Davos por Belém.
Segundo os organizadores, Barack Obama seria bem-vindo.

Com menos intelectuais famosos e maior participação indígena, a manifestação reuniu ativistas de várias nacionalidades e matizes políticos. Anarquistas, com bandeiras negras, marcharam ao lado do Grupo de Prostitutas do Pará. Petistas e sindicalistas seguiam ao lado de quilombolas e tribos indígenas.

Indianos, africanos, franceses, ingleses e italianos empunhavam bandeiras pela preservação da Amazônia, em defesa da Palestina, por direitos humanos.

‘Creio que o neoliberalismo se autodestruiu’

O ritual de abertura do FSM marcou a transmissão da edição de 2007, na África (Quênia), para o Brasil. Os negros fizeram pedidos a Oxossi (deus das matas), pela proteção da Amazônia, e entregaram o FSM para os “senhores da terra”, no caso, as tribos indígenas brasileiras.
A cara nova do FSM chama a atenção dos próprios criadores do evento. Como se trata de um movimento nada homogêneo, que reúne ativistas de todas as bandeiras da esquerda, as análises são complexas e os consensos são sempre imprevisíveis.

Para um dos fundadores, o francês Bernard Cassen, o momento é de mudança interna: — O capitalismo e suas estruturas estão em crise e o FSM está em uma nova fase e precisa criar uma proposta pós-altermundista (como se chamam os ativistas do FSM) — disse.

Para o sociólogo Ignácio Ramonet, a própria palavra “neoliberalismo”, que sempre marcou a programação do FSM aparece poucas vezes agora: — Creio que o neoliberalismo se autodestruiu. Na minha opinião, é chegado o momento de o FSM traçar lutas comuns com governos de ruptura, como de Venezuela, Bolívia e Equador. O FSM não é um partido global, mas não pode também dizer “não temos nada a ver com a política”. A política não pode ser apenas estratégias maquiavélicas, mas valores. Obama e outros presidentes transmitem valores.

Por que não podemos atuar com eles? São questões como essa que estarão nos debates do FSM. Os debates devem ser mais focados no meio ambiente. Amanhã e na sexta-feira, os presidentes ocupam os principais palcos de Belém.

Somente no domingo, quando termina o FSM, os ativistas farão a chamada “Assembleia das assembleias”, para tentar traçar consensos e atuações em redes mundiais.

Um pedido de socorro à Amazônia, feito por índios de países amazônicos e ativistas de América Latina e Europa, marcou a abertura do fórum ontem. Enfileirados sobre faixas, cerca de 1.500 indígenas formaram a inscrição “SOS Amazônia”.

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