quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Envolverde - Fórum Social Mundial: Crises valorizam a Amazônia


Por Mario Osava, da IPS

Belém, 29/01/2009 – A mudança climática que obriga conter o desmatamento, as fontes energéticas tradicionais como verdugos dos povos locais e a necessidade da soberania alimentar foram temas centrais do Fórum Social Mundial em uma jornada dedicada à Amazônia. O dia de ontem, segundo da nona edição do FSM, representou a reativação do Fórum Social Pan-Americano, interrompido em 2005. Os povos florestais destacaram com música, danças, declarações e discursos os efeitos e as novas ameaças das crises ambiental, energética e econômica que pesam sobre seu destino e o da humanidade.

Os impactos amazônicos de atividades voltadas a interesses alheios e distantes, com as petroleiras e mineradoras, protagonizadas por multinacionais, e a necessidade de harmonizar “natureza, cultura e sociedade”, foram realçadas em um ato que mesclou uma declaração lida em várias línguas, apresentação de danças e rituais indígenas, cantores e grupos musicais. A Confederação Nacional de Comunidades do Peru Afetadas pela Mineração informou sobre os danos sofridos por indígenas e camponeses de seu país, enquanto membros do grupo indígena Assurini, do Brasil, dançaram sua rejeição à grande central hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.

As represas foram um dos fatores que tornaram menos sustentável, nos últimos 20 anos, o modo de vida de populações ribeirinhas na Amazônia brasileira, junto com a pressão demográfica e uma política oficial de credito, afirmou Sylvain Colmen-Dale, da associação francesa de solidariedade Erro. Os ribeirinhos tinham uma tradição produtiva “relativamente durável, não predadora”, embora vivendo em “um ecossistema fragil, de terras inundáveis”, destacou em um painel sobre agricultura, agrocombustível e mudança climática no Dia Pan-Amazônico.

Tucuruí “mudou a produção e a subsistência” das populações que vivem em municípios afetados do Pará, porque a represa reduzi dramaticamente os peixes ao impedir que subam o rio para a reprodução, explicou Luciana Costa, da Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes. A piscicultura em tanques é uma alternativa que sua associação não-governamental, apoiada pela Erro, desenvolve para compensar a escassez de pescado. Outra orientação dessas entidades é recuperar a diversificação produtiva dos ribeirinhos. Mas, contra isso conspira o crédito oficial, que favorece poucos produtos, como a laranja, segundo a ativista.

As hidrelétricas, que fazem do Brasil campeão de matriz energética baseada em fontes renováveis, enfrentam a resistência de indígenas e outras populações amazônicas porque inundam extensas áreas, deslocam milhares de famílias e provocam outros impactos sociais, como a migração atraída pelo emprego temporário na sua construção. O governo tem planos de construir três grandes centrais nos próximos anos para atender o aumento do consumo energético e garantir o crescimento econômico.

A defesa da natureza amazônica contra as atividades de desmatamento foi expressa de forma artística e musical por indígenas do Brasil, como os marubo, e os os kichwa do Equador, que acrescentaram outro dado alarmante da mudança climática: o desaparecimento das nevadas na cordilheira dos Andes, que afeta os rios e o abastecimento de água. Por outro lado, mulheres da Via Camponesa, organização internacional que reúne numerosos setores rurais, inclusve o Movimento de Afetados pelas Represas, cantaram a “soberania alimentar” como bandeira contra a fome e o agronegócio de monoculturas, que gera insegurança alimentar e ambiental.

Todas estas são ameaças e desafios que se discute no Fórum Social Mundial, que terminará no domingo, com ampla participação indígena e de outras populações amazônicas, como os quilombolas (membros de comunidades afro-descendentes), os extratores de produtos florestais e os pescadores. A Amazônia provavelmente será a prioridade da Ordem Franciscana a ser aprovada em sua assembléia de maio no Vaticano, espera João Gierse, sacerdote católico dessa missão, presente no FSM e no ato-show dos povos amazônicos.

“Ecologia e teologia se complementam, os conhecimentos da ecologia remetem à visão de Deus”, ao confirmar certos princípios como a comunhão trina, disse à IPS o missionário alemão, que vive no Brasil há 19 anos. Em sua opinião, a Igreja Católica, inclusive a missão franciscana, ainda peca por não assumir a questão ambiental. “A evangelização deveria incluí-la”, disse Gierse se referindo ao bispo Luiz Cappio, que fez duas greves de fome em defesa do rio São Francisco, ameaçado por um projeto de transposição de suas águas para o nordeste. É um exemplo dessa atitude, assinalada pela vocação ambiental de São Francisco, reconhecido pela Igreja há 800 anos, disse.

Gierse sempre atuou no nordeste, em uma dedicação mais social, mas diz que sua visão se ampliou há pouco quanto ao ambiental. Atualmente reforça seus conceitos em São Paulo, onde faz curso de mestrado em missão que inclui a dimensão ecológica, sonhando cumprir novas missões na Amazônia. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)

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