sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Envolverde - A história de um indiano perdido no Brasil


Por Rahul Kumar, especial para IPS/ TerraViva

O jornalista Rahul Kumar viajou quilômetros da Índia até aqui para descobrir que ele parece um cidadão local na região da Amazônia, onde o calor e as mangas lembram muito sua casa.

Não, eu não estou falando dos brasileiros originais, chamados de indígenas no jargão do desenvolvimento, que habitavam sozinhos o vasto e rico território até que foram tomados de surpresa pelos indígenas vindos da Europa. Bem, os brasileiros dos princípios vivem até hoje de uma maneira amigável e natural, como viviam já algumas centenas de anos, mesmo quando o progresso devastou os indígenas da Europa hoje estabelecidos no Brasil, gerando não indígenas e sim brasileiros.

Mas eu estou me referindo a um indiano que chegou da Ásia e cuja aparência é similar àquela que os brasileiros herdaram dos indígenas europeus, hoje chamados de brasileiros. Não é fácil ser um indiano no Brasil. O fator mais importante, e uma particular dificuldade, é a comunicação. Os brasileiros falam português e algumas outras línguas locais, enquanto os indianos falam inglês, híndi, punjabi, bengali, assamese, tamil e muitas outras línguas – nenhuma das quais faladas pelo povo brasileiro, com exceção de alguns poucos que falam inglês. O que resulta numa regressão à linguagem dos sinais e muitos gestos. Se a comunicação ainda é um problema, continue dizendo “si, si” (sim) e balançando a cabeça como se estivesse entendendo. Isso não ajuda na comunicação, mas deixa claro para ambas as partes que não há porque desperdiçar mais tempo, e uma melhor opção é procurar alguém que fale ambas as línguas e concorde em servir de intérprete.

O outro problema é que os teclados brasileiros são diferentes. Muitas teclas com letras e outras com marcas de pontuação estão localizadas em lugares diferentes se comparados com o teclado indiano. Portanto, digitar um documento é uma constante batalha na correção de erros e na busca pelas teclas certas – multiplicando os esforços para se escrever um bom texto. Eu já passei metade do meu tempo escrevendo meus artigos e a outra metade substituindo os ‘q’ pelos ‘a’ e os ‘z’ pelos ‘w’. Estou até pensando em pedir para o meu editor me designar apenas metade da quantidade de palavras necessárias para minhas histórias.

Para falar a verdade, o Fórum Social Mundial (FSM) é um carnaval de gala. Deveria ser realizado com mais freqüência e em diferentes locais do mundo. Apenas assim teremos sucesso em levar o desenvolvimento para a soleira das pessoas marginalizadas e criar o novo mundo de que tanto falamos. Ao todo, eu compareci ao FSM cinco vezes, e minha apresentação dos indígenas da Índia central sempre agradou. Felizmente, ninguém descobriu que eu faço a mesma apresentação todos os anos. Eu digo felizmente também que ninguém ainda me perguntou se eu sou indígena ou não. Pelo que eu me lembro, os britânicos não permaneceram na Índia após 1947 e eu não sou bretão.

Eu tenho algumas sugestões para os organizadores. Eu quero um FSM itinerante. Por que deveríamos privar outras comunidades e culturas dessa imensa energia exibida no FSM e da exuberante troca de idéias? Eu iria sugerir que nossa próxima parada fosse Bali, seguida da região de Champagne na França, depois Marrocos, a cheia de vida Nova York, e assim por diante. Eu mencionei Nova York não porque eu ainda não a visitei, mas sim porque eu não quero ver uma cidade maravilhosa, e cheia de pessoas ativas, encarar a ruína e a privação, agora que os seus bancos de investimentos declararam estar doentes. Sendo solidários em nossos pensamentos e ações, devemos apoiar nosso irmãos em ruínas e mostrar compaixão levando o FSM para a grande maçã.

A grande maçã me lembra as mangas e também a Índia. Ainda ontem eu quase fui atingido na cabeça, quando uma manga decidiu se desprender de seu galho em busca de um novo mundo. Eu havia dado apenas um passo para atravessar a rua quando ouvi o barulho logo atrás de mim e vi uma manga caída na rua de Belém. Chamada de rainha das frutas na Índia, eu a peguei e fotografei, pois tinha planos de exibi-la em uma rede social na internet, que roda em software livre e promove conteúdo copyleft. Como não existe nenhuma até agora, eu vou esperar até que algum ciber terrorista crie uma. Sim, eu vou esperar.

Mas Belém foi uma boa escolha para abrigar o FSM e possui muitos locais para se ir às compras. Minha casa, as dos meus parentes e as de alguns dos meus amigos também, estão agora cheias de artesanatos tradicionalmente brasileiros, cortesia do FSM anterior. Agora que minha apresentação acabou, acho que seria uma boa idéia ir ao local – provar o local, (aqui vamos mais uma vez) eu quero dizer, provar a cerveja indígena e fazer uma viagem de barco pelo Rio Amazonas, comer apenas comida local e me misturar com a população local.

A única irritação é o clima, que constantemente me lembra da Índia. É muito quente e úmido e chove todos os dias. No entanto, as pessoas aqui não andam tão vestidas – sejam homens ou mulheres – como andam na Índia. Os shorts das mulheres são realmente curtos, o que é ótimo, e elas devem ter a liberdade para se vestir como quiserem, mas eu sugiro que os homens não deveriam andar por aí pouco cobertos, pois isso dá uma impressão de pobreza para o país. Lá em casa, são apenas os trabalhadores de construções que não se cobrem adequadamente.

Agora que meus dedos estão exaustos por apagar os ‘q’ e substituí-los por ‘a’ e meus olhos estão ardendo após procurar pela vírgula invertida, vou dar um tempo. Vejo-os mais tarde, depois que dominar o meu teclado e aprender português.

(Envolverde/IPS/TerraViva)

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