Por Paulo de Tarso Lyra
Mauro Zanatta
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaçou demitir os ministros do Meio Ambiente, Carlos Minc, e da Agricultura, Reinhold Stephanes, caso eles insistam em continuar com o bate-boca público sobre as alterações na legislação ambiental. Lula fez chegar aos ministros que as divergências devem ser resolvidas "dentro do governo", e não em público. O presidente também mandou dizer que, se eles não parassem de brigar com declarações à imprensa, seria melhor que entregassem as respectivas cartas de demissão.
"Esta atitude não ajuda absolutamente em nada, nem ao país, nem ao governo", disse ao Valor um ministro com gabinete no Palácio do Planalto. Lula ficou profundamente irritado com a postura dos dois ministros, que transformaram divergências técnicas em torno da reforma do Código Florestal em uma briga pública pela imprensa. Lula sempre estimulou divergências de idéias no governo, uma herança das mesas de negociação dos tempos de sindicalista, mas, em sua avaliação, neste episódio, a situação passou dos limites. "Stephanes classificou Minc de incorreto. Minc respondeu que Stephanes estava descompensado. Isto não é possível", comentou um auxiliar direto do presidente.
Um ministro que participa das reuniões de coordenação política do governo disse que o tema não foi tratado durante o encontro de ontem, no Palácio do Planalto, mas revelou que Lula comentou a situação com ministros mais próximos. "Se eles têm divergência, que levem para o presidente arbitrar. O que aconteceu foi bate-boca explícito e isto não é admissível", disse o ministro. Na avaliação do Palácio do Planalto, a "bronca" de Lula nos ministros torna "desnecessária" a mediação da chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, como chegou a sugerir Carlos Minc. "Ele fez isso não para conseguir uma mediadora, mas para tentar uma aliada", avalia um assessor de Lula. "Duvido que ela topasse: qualquer lado que ela escolhesse, arrumaria um inimigo. Essas coisas são mediadas por quem manda de fato", disse outro assessor presidencial.
As divergências entre os ministros de Lula ficaram públicas depois que Stephanes resolveu extinguir um grupo de trabalho que discutia uma proposta para revisar o Código Florestal, em vigor desde 1965. A idéia de criar o grupo havia sido decidida em comum acordo pelos dois ministros. Mas a pressão de ambientalistas e ruralistas, sempre em oposição de interesses, fomentou um mal-estar entre os colegas de Esplanada, segundo participantes das reuniões. Em desvantagem numérica nos encontros, os ambientalistas decidiram boicotar as reuniões. E exigiram de Minc um recuo nos acordos feitos com Stephanes.
Ambos já haviam acordado, por exemplo, a possibilidade de permitir a plantação de espécies exóticas, como o dendê, para auxiliar na recuperação de determinadas áreas da Amazônia, além da possibilidade de manter usinas de álcool já instaladas na região do rio Paraguai, no Pantanal. Contrariadas, as ONGs ambientalistas partiram para uma cobrança pública das ações de Minc. E a briga pública acabou por desfazer os acordos costurados nas reuniões anteriores.
Stephanes acusou Minc de não cumprir esses acordos e de acertar uma coisa nas reuniões e anunciar outra em encontros com a imprensa. Minc classificou de "descompensado" o colega. E o presidente Lula ficou ainda mais irritado com o pedido público de Minc para uma mediação da ministra Dilma Rousseff. A agenda negativa cairia no colo da principal auxiliar do presidente e a levaria a um desgaste inevitável com ambientalistas e ruralistas.
Uma fonte graduada que acompanhou as reuniões entre Minc e Stephanes classificou os encontros como um "erro de avaliação" e a postura do titular do Meio Ambiente como "inocente". Ao abrir o debate para a bancada ruralista, Minc teria ficado fragilizado. E o recuo dos ambientalistas nas discussões, teria tornado a situação de Minc insustentável. "Por isso, houve essa ruptura pública. Cada um tem que falar o que sua base quer ouvir". A fonte avalia que a Casa Civil deveria ter feito "desde o princípio" a mediação da reforma do Código Florestal, assim como fez com o processo de criação do zoneamento econômico-ecológico da cana-de-açúcar na Amazônia. "É um tema difícil, que está há anos parado no Congresso".
As discussões sobre onde será permitido aos produtores plantar, ou não, cana-de-açúcar na Amazônia ajudou a "entornar o caldo" dos debates entre os ministros. Mesmo após admitir o plantio da matéria-prima do etanol no Pantanal, Minc voltou atrás e passou a rejeitar qualquer acordo. Stephanes manteve sua reivindicação de permitir o plantio em parte do Pantanal. Mesmo em debates acalorados, cheios de argumentos de ambos os lados, as divergências ficaram restritas ao governo. Stephanes perdeu a batalha, mas o episódio não foi tornado público como o caso da reforma do Código Florestal. "É preciso uma arbitragem política no Congresso, porque a disputa ficou pública e houve perda de confiança entre as partes", diz o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). "Este debate será vencido por argumentos técnicos, não espetaculosos".
Questões partidárias também têm interferido nos bastidores dos debates. Deputado federal pelo PMDB do Paraná, Stephanes foi avalizado pelo governador do Estado, Roberto Requião. Mesmo sendo do PT, Minc é apadrinhado do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Mas o que tem pesado nos bastidores do PMDB é o apoio, mesmo tímido, da bancada ruralista do partido a Stephanes. O ministro tem vivido às turras com seus correligionários, que o acusam de não atender os pleitos do setor. No Congresso, Stephanes já foi alvo de duas listas de deputados que exigiram, da cúpula do partido, sua demissão.
Mas o "enfrentamento" das posições ambientalistas por Stephanes gerou simpatia na bancada. "A situação dele já esteve pior. Agora, está melhorando", resume o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC). Sobre uma eventual demissão do correligionário, Colatto prefere a cautela: "Essas conversas sempre se ouvem nos corredores, mas são coisas internas". Candidato natural ao cargo, o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR) afirma que a situação de Stephanes é "ainda desconfortável", mas avalia que "tende a melhorar".
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