sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Envolverde - Ministro quer reunir três Poderes para tratar de trabalho escravo


Por Maurício Hashizume, do Repórter Brasil

Em evento sobre o combate ao trabalho escravo realizado no Fórum Social Mundial (FSM) nesta quinta-feira (29/1), o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), anunciou que pretende organizar um encontro com as cúpulas dos três Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário - para tratar exclusivamente da questão.

Na perspectiva do ministro, este ano de 2009 será um importante para o avanço do combate ao crime de escravidão contemporânea no Brasil. O evento no Fórum reuniu representantes de diversos setores envolvidos com o tema e, de acordo com Paulo Vannuchi, pode ser entendido como um pontapé para uma agenda de pressão envolvendo vários segmentos que tem como meta a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC 438/2001), que prevê a expropriação das terras onde houver trabalho escravo.
O segundo passo seria justamente a realização de um encontro nacional organizado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) com a representação dos três Poderes no primeiro semestre de 2009. O impulso desses encontros ajudaria a fortalecer a campanha pela aprovação da PEC 438/2001, que já foi aprovada no Senado, passou em primeiro turno na Câmara, mas resplandece a espera de votação em segundo turno desde agosto de 2004. A Campanha das Diretas Já, em 1986, que conseguiu mobilizar milhões de pessoas que clamaram pela adoção do voto direto, é uma das inspirações históricas citadas e assumidas pelo ministro.

A efervescência gerada por essas iniciativas pode criar condições, segundo Paulo Vannuchi, para que a proposta de punição dos escravagistas com confisco de terra possa ser submetida à votação no 2⁰semestre de 2008.

De acordo com o ministro da SEDH, a pasta dele tem procurado executar as medidas que constam do 2⁰ Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e a acaba de viabilizar um curso especial para juízes e procuradores do trabalho sobre a temática. Hoje, membros do Judiciário engajados no combate ao crime ainda são exceções. Ele ressaltou, porém, que existem resistências dentro e fora das instituições do Estado brasileiro.

Um caso relatado aos participantes do FSM pelo próprio ministro dá idéia do descompromisso de dentro do próprio governo. Paulo Vannuchi combinou a realização de um “diálogo institucional” com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e representantes de seis setores econômicos que têm, em suas respectivas cadeias produtivas, casos de flagrante de trabalho escravo. “Dos seis convidados [que tinham confirmado antecipadamente presença], apenas dois apareceram. O ministro [Reinhold Stephanes] não apareceu e não deu a menor satisfação”, cutucou.

Por conta de episódios como esse, o ministro fez uma chamamento para que a sociedade intensifique a “pressão democrática” para que haja mais avanços na luta contra o trabalho escravo, que continua tolhendo a dignidade de milhares de brasileiros. “É da sociedade civil que vem a luta pela justiça, pela igualdade e pelos direitos humanos”, completou Paulo Vannuchi.

12 milhões

Há estimativas de que pelo menos 12 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado no mundo, segundo Luís Machado, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que também participou do evento sob coordenação da Conatrae.

Convidado internacional para o evento, Aidan McQuaide, diretor da Anti-Slavery International, destacou três pontos centrais relacionados à escravidão contemporânea.

O primeiro deles diz respeito às características da escravidão contemporânea, que é diferente da escravidão antiga do século XIX e está presente em setores econômicos atuais muito dinâmicos. O segundo consiste na necessidade de fortalecer sindicatos e representações de trabalhadores para que as próprias pessoas possam reivindicar seus direitos básicos. E o terceiro no fato de que a luta contra o trabalho escravo não se dá apenas dentro de cada país, mas no âmbito internacional. O Brasil é um exemplo, comentou Aidan, e poderia colaborar para que o combate ao trabalho escravo possa se estruturar em outros países como a Índia.

Mesmo com todos os avanços verificados no Brasil, ainda há muitas dificuldades que precisam ser enfrentadas. Uma delas é a falta de estrutura para atender à demanda de denúncias de trabalho escravo e trabalho infantil. No Brasil, há um auditor para cada 200 mil trabalhadores. Na Espanha, esse índice é de um para cada 20 mil. O ideal, segundo especialistas, seria um para cada 12,5 mil.

“Infelizmente, só pegamos as piores denúncias. As outras estão sendo colocadas na fila”, conta Jacqueline Carrijo, coordenadora do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

A questão da impunidade também é grave, adicionou Jacqueline. Três auditores fiscais do trabalho e um motorista do MTE que estavam trabalhando foram assassinados exatamente há cindo anos (no dia 28 de janeiro de 2004) no caso que ficou conhecido como “Chacina de Unaí (MG)”. Medidas para ampliar a geração de emprego e renda no meio rural e a reforma agrária também fizeram parte das recomendações da auditora.

A representante do Sinait conta que, em 2008, disse ainda que se deparou com a exploração de trabalho infantil na lavoura de cana-de-açúcar, prática que já não era flagrada há algum tempo pela fiscalização, além de vários casos irregulares de degradância e de contratação ilegal de mão-de-obra. “Para um setor riquíssimo como o sucroalcooleiro, não há desculpas para o aliciamento e o tráfico de pessoas”, adicionou.

O alto grau de informalidade no trabalho foi um dos aspectos abordados pelo médico e auditor fiscal do trabalho Francisco Luís Lima, da Confederação Ibero-Americana dos Inspetores do Trabalho (CIIT). Só na América Latina, 130 milhões de pessoas trabalham informalmente, o que revela o grau de fragilização a que estão submetidos os trabalhadores. Ele acrescenta que os produtos oriundos de países da Ásia, por exemplo, são mais baratos porque não existe regulamentação. “Diante da crise econômica mundial, a parte dos trabalhadores sempre é a que acaba sofrendo mais”.


(Envolverde/Repórter Brasil)

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