sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Envolverde - Fórum Econômico Mundial: fogo pesado desde o outro lado


Por Gustavo Capdevila, da IPS

Davos, Suíça, 30/01/2009 – Um dos poucos indicadores em alta nesta época de crises econômica e financeira é o que mede o tom da repulsa contra os responsáveis pelo desastre e contra as instituições que os patrocinavam. Assim ficou evidente nesta cidade turística do leste da Suíça, onde acontece a sessão anual do Fórum Econômico Mundial, uma dessas entidades que nas últimas décadas ampararam as políticas de desregulamentação identificadas como causadoras da crise. A parlamentar socialista suíça Susanne Leutenegger relacionou o FEM com a crise dizendo que Davos foi “uma das agências ideológicas por trás do processo” dessas políticas.

Nas sessões do fórum, iniciadas há 39 anos, “se cruzavam as finanças, a indústria e a política”, recordou Leutenegger. Ali eram estabelecidos contatos e redes informais, enquanto os políticos sentavam-se “à mesa dos empregados domésticos” e os meios de comunicação “se entusiasmavam com os ricos e os poderosos” do mundo, prosseguiu. A legisladora falou na apresentação das distinções do Olho Público de Davos, uma espécie de “prêmio da vergonha” que duas organizações não-governamentais, a suíça Declaração de Berna e o Greenpeace, concedem em tom irônico a empresas que violam princípios éticos e conservacionistas.

Através desses prêmios e do conteúdo político das cerimônias de entrega, o Olho Público tem sido, em seus 10 anos de vida, um dos observadores mais críticos do Fórum de Davos. Por essa época os meios de comunicação “em seu frenesi em torno de Davos, afogavam os impulsos críticos em favor de uma economia mais social e de políticas sustentáveis”, disse Leutenegger. O Prêmio Global deste ano foi concedido à mineradora norte-americana Newmont, a maior produtora de ouro do mundo, pelas práticas “escandalosas” que aplica em seus estabelecimentos do leste de Gana, onde destrói habitats naturais únicos, força reassentamentos forçados de moradores e contamina o solo e os rios, segundo afirmou o júri.

O prêmio correspondente a empresas suíças este ano coube a companhia de energia BKW, por construir na Alemanha uma central de geração térmica movida a carvão, o combustível que mais contamina, afirmaram as duas organizações. Em contraste, o Olho Público entregou também um Prêmio Positivo, que reconheceu os esforços de dois dirigentes operários colombianos, Jairo Quiroz e Freddy Lozano, e de seu sindicato, Sintracarbón, para reverter a decisão de uma empresa multinacional mineira que desalojou cerca de 800 famílias de afro-descendentes para expandir sua mina de El Cerrejón, nordeste da Colômbia.

Na realidade, a mensagem dos prêmios negativos identificou as duas companhias que são exemplo dos abusos sociais e ambientais de todos os membros do FEM e das grandes empresas, que são a imagem da globalização baseadas apenas na ganância, afirmaram as duas entidades organizadoras. Por essa razão, a Declaração de Berna e o Greenpeace dirigiram ontem uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pedindo que “estabeleça já regulamentações sobre as empresas”. Até agora, todos os esforços para adotar regras jurídicas vinculantes para as empresas multinacionais fracassaram justamente devido à oposição de Washington, afirmaram.

A mensagem enviada a Obama solicita que no futuro todos os projetos das multinacionais respeitem os direitos das comunidades assentadas no lugar onde atuarão. Também pedem que não exista impunidade para essas empresas em caso de violação das leis. As duas organizações pretendem que o Olho Público se converta em um ponto de encontro para todos os críticos do Fórum de Davos, disse Oliver Classen, da Declaração de Berna. As atividades do FEM também enfrentam críticas contra as autoridades suíças pelo apoio que dão à reunião de Davos.

O FEM é uma assembléia privada, mas o governo suíço a subvenciona com oito milhões de francos (US$ 7 milhões), em sua maioria para serviços de segurança, disse Leutenegger. A parlamentar socialista calculou que se forem consideradas todas as ações do Estado suíço destinadas ao Fórum de Davos estas chegarão a 20 milhões de francos, cerca de SU$ 17,6 milhões. As policias de vários cantões, os Estados federais da suíça e cerca de cinco mil soldados do exército são deslocados durante esta semana de sessões em Davos. Ao mesmo tempo, a força aérea nacional, secundada por sua colega da vizinha Áustria, controla a segurança do espaço aéreo sobre Davos.

Leutenegger observou que a maioria das manifestações de rua em protesto contra o FEM está proibida. A liberdade de palavra e o direito de reunião ficam virtualmente suspenso em todo o país durante o desenvolvimento do fórum, ressaltou. Uma manifestação contra o Fórum Econômico Mundial, convocada por organizações sociais e políticas de esquerda para amanhã em Genebra foi proibida pelas autoridades. A parlamentar disse que a revolução neoliberal parece ter fracassado redondamente no mundo e que agora seus “desavergonhados promotores pretendem obter dinheiro sem custo do Estado”.

Entretanto, o Fórum de Davos, “um gestor de sucesso desse modelo de negociações, vai bem”, disse Leutenegger. Segundo suas estimativas, as mil maiores empresas do mundo, que são membros do FEM, contribuem anualmente com algo mais de US$ 35 milhões. No total, somadas as contribuições especiais das firmas financeiras e as tarifas que recebe dos participantes do Fórum, a entidade, que funciona na Suíça como uma fundação beneficente, obtém por ano aproximadamente US$ 88 milhões.

Leutenegger também dedicou algumas observações à esquerda e aos sindicatos porque “fracassaram em estabelecer as pressões necessárias para conter os elementos que precipitaram a crise”. É necessária uma discussão fundamental, especialmente na esquerda, nos sindicatos e nos movimentos sociais, sobre a construção de um sistema pós-capitalista e sua aplicação, recomendou a parlamentar. (IPS/Envolverde)

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