sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Envolverde - O sócio e o ambiental da agricultura e da alimentação


Por Leticia Freire, do Mercado Ético

Moléculas, fórmulas físicas e controle tecnológico da agricultura e da alimentação num cenário socioambiental cada vez mais degradado e excludente. Mas, os cientistas reunidos no Fórum Social Mundial alertam: sustentabilidade e soberania alimentar não estão, fundamentalmente, ligadas à tecnociência e a expansão do agrobusiness.

Estima-se que em 2050 seremos 10 bilhões de bocas num cenário dominado pela agricultura química e por interesses comerciais. Para os pesquisadores reunidos ontem (29/1), na atividade sobre “Agricultura e alimentação”, no Fórum Social Mundial, a associação entre a lógica desenvolvimentista irresponsável e a ciência tem conduzido as pesquisas para um lado perigoso. Para esse grupo multidisciplinar de diversos centros de estudos e universidades nacionais e internacionais, a questão da agricultura e alimentação mundial deve começar a priorizar a agroecologia e outras formas de agricultura sustentável e não transgênicas.

Cada vez mais, para cada vez menos

Há pouco tempo o alimento não era tratado como mercadoria, mas acredita-se que a partir da década de 50, com o chamado sedentarismo, a agricultura ganhou dimensões do desenvolvimento comercial. Nesse cenário desenvolvimentista, a gestão do desenvolvimento científico contribuiu para o rompimento da harmonia entre agricultura e meio ambiente, introduzindo modificações genéticas e químicas a sementes e solos. Iniciou-se uma nova era. Com a promessa de produção em larga escala, como nas fábricas e indústrias, a terra se valorizou em sua dimensão territorial, a comida se encareceu e o conhecimento do pequeno produtor rural ficou cada vez mais desprezado.

Cada vez mais, para cada vez menos. Isso inclui a redução drástica da utilização da biodiversidade. Segundo o relatório da FAO, de 1996, de mais de 7000 espécies essenciais para a alimentação humana, apenas 30 são produzidas para alimentar 90% da população mundial. “Não há diversidade no mercado. Toda a pesquisa concentra-se nessas 30 espécies que são soja, milho, cana e outras, que não compõe a base da alimentação”, alertou Rubens Nodari, professor de agronomia com ênfase em fisiologia vegetal da UFSC - Universidade de Santa Catarina.

Nodari, que assessorou a ex-ministra Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, se mostrou muito preocupado e criticou fortemente o que ele chamou de um ciclo de produção extremamente saturado e ineficiente para a questão agrária do mundo, especialmente do Brasil.

Voltando às origens da produção local

Para esse mesmo grupo de pesquisadores e cientistas, investir agricultura familiar, focando o consumo e produção local é a saída para a crise alimentar. Para reequilibrar o sistema, evitando mais degradação ambiental e social, os cientistas defenderam a idéia da pesquisa sobre a diversidade das espécies. Nesse sentido o potencial alimentar estaria ligado à exploração não transgênica da diversidade e não na monopolização agrícola.

“Na agricultura familiar usa-se a terra para produzir comida e não mercadoria”, afirmou Antonio Andrioli, professor do departamento de sociologia da Universidade de Linz, Alemanha. Ainda segundo Andrioli, industrializou-se a terra e a agricultura familiar e local. Esse processo descaracterizou a paisagem, principalmente com a introdução dos transgênicos.

Ao se referir especificamente à questão da biotecnologia o pesquisador foi categórico ao afirmar que não se adapta plantas para os ambientes, principalmente quando essa adaptação é feita por empresas que tratam o alimento como mercadoria. “Na lógica do mercado não se leva em consideração que o meio ambiente simplesmente adapta a natureza aos processos produtivos e o resultado é esse mar de desigualdade e degradação”, reforçou.

Processo lento

Carolina Niemeyer, pesquisadora da Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ) e representante da organização Via Campesina, sintetizou o debate dizendo que a valorização da terra deve estar no uso e não na troca. Para ela, a discussão sobre diversidade e multiplicidade agrícola são questões chave para o debate sobre soberania alimentar e sustentabilidade. Mas ela afirmou que “voltar às origens” é um processo lento e que depende de muito apoio social, principalmente para provocar mudanças nas políticas públicas e nacionais ligadas à questão agrária.

Em meio ao debate, a informação sobre uso de sementes geneticamente modificadas nos assentamentos do Movimento dos Sem Terra (MST) no Paraná, serviu como um alerta sobre a importância de alinhar teoria e prática durante o processo de transformação socioambiental.

Os pesquisadores e cientistas lamentaram a notícia e foram categóricos ao dizer que nenhuma mudança acontecerá se a sociedade civil e os movimentos sociais não participarem. Para eles não basta entender e concordar com os argumentos é preciso provocar as mudanças nas práticas agrárias.

* Leticia Freire viajou à Belém, para o Fórum Social Mundial, à convite da Scientiae Studia.


(Envolverde/Mercado Ético)

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