sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

OESP - No lugar do PIB, uma revolução?

Por Washington Novaes

O ano terminou com notícias inquietantes sobre a crise financeira mundial e seus reflexos no Brasil - redução das taxas previstas para crescimento econômico em 2009, aumento da dívida pública federal para R$ 1,37 trilhão, menor aumento de renda para as famílias de classe média, desemprego alto. E indagações sem fim sobre a extensão e duração da crise - a que, na verdade, ninguém pode responder com certeza, tal o volume de dinheiro e títulos envolvido e a incapacidade de dizer em que momento terão terminado a "desalavancagem" de ativos "podres" e seus reflexos em cadeia.

Nesse clima, nosso presidente da República se encontrou com o presidente da França para tratar de parcerias entre o Brasil e a União Europeia. Mas praticamente nada se ouviu ou se leu sobre eventuais discussões entre os dois presidentes quanto a tema que se poderá tornar muito relevante: os estudos da Comissão de Avaliação do Desempenho Econômico e Social criada por Sarkozy em 2008 para repensar os critérios do crescimento econômico e bem-estar social, com a participação de notáveis de várias universidades e instituições europeias, asiáticas e norte-americanas, além de representantes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e Organização Europeia para a Cooperação e Desenvolvimento (OECD, na sigla em inglês), sob coordenação de nomes como Joseph Stiglitz (Prêmio Nobel de Economia, Universidade de Colúmbia), Amartya Sen (também Nobel de Economia, Harvard) e Jean-Paul Fitoussi (Instituto de Estudos Políticos de Paris). É uma comissão que parte do princípio de que os critérios de avaliação das áreas econômica e social por indicadores como o produto bruto e seu crescimento (inferindo, daí, o grau de bem-estar social) são insuficientes, inadequados; será preciso encontrar novos critérios e indicadores para a economia, mas também capazes de avaliar o progresso social e o bem-estar individual. A comissão prevê sua avaliação final para o próximo mês de abril.

É tarefa complexa. Não se trata só de criar mais um indicador. Terá de encontrar caminhos para incluir nos critérios de avaliação questões como as da saúde, do acesso a serviços públicos, da inclusão nos indicadores econômicos do valor do trabalho doméstico não-remunerado, dos custos não-contabilizados do crescimento econômico (as chamadas "externalidades"), da depreciação de equipamentos e instalações. Além disso, a renda e o consumo por residência (e não por indivíduos apenas), a disponibilidade de segurança pública e muito mais. Principalmente a avaliação de questões intrincadas como sustentabilidade dos recursos naturais, assim como dos padrões de produção e consumo.

Nesse caminho há questões complicadas. Só para exemplificar: o orçamento da defesa de um país deve ser considerado como produção, como consumo ou tomando ainda em consideração ângulos complexos como a ética dos orçamentos de guerra? E o orçamento para o sistema prisional? A avaliação da renda pessoal ou setorial deve especificar desigualdades? Deve tomar por base o âmbito nacional, regional ou mundial? No cálculo do produto nacional deve-se deduzir o valor da depreciação dos bens de capital, a depleção de recursos naturais? A descoberta de uma nova mina e sua exploração devem aumentar o cálculo do produto bruto? E a consequente depleção de recursos e a degradação devem reduzi-lo? Como considerar as transferências financeiras internacionais? E a produção de firmas nacionais no exterior?

Não é só. A comissão pensa que é preciso reavaliar questões como a das consequências dos aumentos de preços na economia, porque eles não atingem da mesma forma todos os setores sociais e pessoas. Os estratos mais pobres perdem mais quando o aumento é, por exemplo, no preço dos alimentos; os mais ricos, com as mudanças na área dos "entretenimentos". E há outras diferenças de consequências por idade, localização da residência (urbana ou rural, área rica ou pobre). A aplicação da receita de impostos tem amplas consequências no bem-estar das pessoas, na disponibilidade de serviços, cuidados com o meio ambiente. Como avaliá-las?

Quando se trata do trabalho doméstico, as implicações são muitas. Como considerar o valor dos serviços de limpeza, cozinha, assistência a crianças? E no transporte, onde incluir o valor do tempo gasto no deslocamento para o trabalho? Já se mencionou aqui estudo segundo o qual o paulistano consome em média duas horas diárias para isso; multiplicadas por 5 milhões de pessoas, serão 10 milhões de horas por dia, que, multiplicadas pelo número de dias no ano e pelo valor médio da hora de trabalho, produzirão um valor fantástico - que, se pudesse ser transposto para investimento em transportes públicos (ampliação da rede do metrô, por exemplo), em poucos anos melhoraria extraordinariamente a qualidade de vida dos cidadãos.

É uma enumeração muito extensa de questões a ser examinada pelo grupo, que agora em janeiro terá sua terceira reunião plenária, para dirimir dúvidas quanto ao relatório a ser apresentado em abril. E que certamente terá forte influência nas discussões sobre sustentabilidade no mundo, que já começam a incluir questões como a da "felicidade nacional bruta", a partir das experiências do Butão. Ou o reconhecimento dos "direitos da natureza" na nova Constituição do Equador. Seja como for, estará muito presente o pensamento de Amartya Sen, para quem "as políticas públicas precisam ser avaliadas pela evolução do poder das pessoas na escolha do tipo de vida que mais valorizem". A seu ver, "a maior parte do pensamento econômico pertence ao terreno da ética, e não apenas ao da ciência", como quase sempre se considera. Se o rumo for mesmo esse, como tem aparecido até aqui nos relatórios parciais, será uma revolução.

P. S. - Em viagem, não escreverei neste espaço nas próximas semanas.

Washington Novaes é jornalista

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