sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Envolverde - Onde está a inovação?
Por Dal Marcondes
Os principais valores da inovação não vêm de escritórios nas grandes cidades, mas de cenários do cotidiano de comunidades espalhadas pelo Brasil.
Nos últimos anos tenho viajado muito pelo Brasil, em todos os seus quadrantes. Apenas no segundo semestre de 2008 estive em pelo menos dez Estados e mais de duas dezenas de cidades. Esta perambulação pelo País me levou a perceber duas coisas: a primeira é que minha “pegada de carbono” está ficando absolutamente insustentável. A segunda é que o Brasil definitivamente não é o que se percebe a partir do eixo Rio - São Paulo - Brasília. O olhar que os habitantes das grandes cidades têm sobre o Brasil é cheio de idéias preconcebidas e na maioria das vezes absolutamente vazio. Como dizia a canção, “o Brazil não conhece o Brasil”, e este imenso País não vai conseguir criar um modelo de desenvolvimento baseado em suas múltiplas diversidades se não for capaz de se olhar por inteiro.
São Paulo é conhecida como uma cidade cosmopolita, onde tudo tem e tudo acontece. É verdade, mas o excesso de coisas, acontecimentos e eventos, aliando à dificuldade de locomoção, tem feito da cidade um lugar árido, com baixa presença em eventos dedicados à inovação e à sustentabilidade. As discussões ficam em níveis estratosféricos e muito distantes de soluções com aplicação no cotidiano. Poucos são os debates sobre alternativas de desenvolvimento que contam com mais de uma ou duas centenas de pessoas em uma cidade de mais de 10 milhões de pessoas.
Onde realmente a inovação está tomando conta do dia a dia? Na grande mídia do País o que se vê é uma cobertura pasteurizada do cenário nacional e internacional. Um olhar mais atento a Nova York do que ao Brasil. Todos os governos do mundo, inclusive o brasileiro, estão se esforçando para manter “a liquidez” do mercado, estimular a oferta de crédito para que “os consumidores” continuem comprando as mesmas coisas de sempre. Ou seja, o modelo quebrou e os governantes atuam como “consertadores” que remendam e colam os pedaços.
Uma pequena empresa inovadora, o Grupo Eco, está buscando fortalecer um modelo baseado no desenvolvimento local. Arrancou o “S” da palavra CRISE e está criando alternativas dentro de paradigmas de sustentabilidade. “Mas não é fácil”, diz Davis Tenório, diretor da empresa. Os clientes migram de um produto sustentável para uma bugiganga chinesa sem nenhum constrangimento. A sustentabilidade exige “juízo de valor” sobre os negócios. Ou seja, não se compra apenas um produto ou serviço, mas investe-se em uma “cadeia de valor”.
Enquanto os governos reforçam os caixas dos bancos e de grandes empresas que não souberam administrar seus negócios dentro de parâmetros de transparência de gestão e inovação de produtos e serviços, há setores que estão apertando o passo em direção aos novos paradigmas. E estão criando as bases para uma sociedade baseada na gestão sustentável da economia, dos recursos naturais e na inclusão de todos os setores da sociedade. E a maior parte desta inovação não está sendo feita nas grandes capitais do País. Pelo contrário, é em cidades menores e Estados fora do “eixo” que se avança a passos mais largos.
Em Cuiabá o Sebrae está preparando um salto qualitativo em direção a uma economia sustentável. No primeiro semestre de 2009 será inaugurado na cidade o “Espaço do Conhecimento”, um ambicioso projeto que nasce dentro de conceitos avançados de desenvolvimento sustentável. Concebido pelo arquiteto mato-grossense José Afonso Botura Portocarrero, com doutorado em Edificações Indígenas, este projeto incorpora o aprendizado com as culturas indígenas e de Mato Grosso e utiliza formas e soluções há muito conhecida pelos índios.
Todos os materiais utilizados são de baixo impacto ambiental e certificações que atestem sua procedência – concreto, ao invés de estrutura metálica, vidros com baixa absorção térmica e alta reflexão, com grande eficiência energética e evitando o excesso de luminosidade interna, o que reduz a necessidade de ar condicionado. O superintendente do Sebrae do Mato Grosso, José Guilherme Barbosa Ribeiro, acredita que as pequenas empresas vão jogar um importante papel na construção de uma economia que tenha a qualidade de vida e não o PIB como paradigma. “Não vamos conseguir um desenvolvimento que inclua todas as pessoas nos mirando em modelos velhos”, diz José Guilherme, para quem as soluções para a construção de uma sociedade sustentável está na oferta de meios para se lidar com o grande volume de informações disponíveis. “O Espaço do Conhecimento será uma ferramenta para a construção do futuro”, propõe.
O que o Sebrae do Mato Grosso está fazendo tem muita identidade com o que propõe o professor Ignacy Sachs, um polonês que chegou ao Brasil como refugiado da II Guerra Mundial e tornou-se uma das mais respeitadas figuras globais em Economia Sustentável. Sachs é professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris e vê o Brasil como o mais apropriado cenário para germinar uma economia baseada na biodiversidade. “É o surgimento de uma biocivilização”, preconiza. Para ele o Brasil tem todas as variáveis necessárias para tornar-se a primeira economia do mundo baseada em biomassa. E isto quer dizer biomassa para energia, para alimentos e para matéria-prima. Para isso, é preciso apenas que se enxergue a produção de biomassa de uma forma integrada, com respeito aos serviços ambientais prestados pelos biomas do País, em especial a Amazônia, e que se faça um ambicioso zoneamento ecológico-econômico, a fim de respeitar as facilidades e vocações de cada área a ser cultivada.
A inovação também está presente na Amazônia, onde movimentos sociais e empresas se uniram para formar o Fórum Amazônia Sustentável, que pretende levantar modelos de desenvolvimento para a região que sejam baseados na preservação de sua capacidade de prestar serviços ambientais ao planeta e, também, levar conforto para os mais de 25 milhões de habitantes de seus nove Estados. Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, vê o setor financeiro como um dos fatores importantes para a criação de alternativas para o desenvolvimento regional e para a mudança nos paradigmas da economia tradicional, baseada em créditos fáceis que não levam em consideração as externalidades do que se produz. “O boi na Amazônia só é possível porque o preço não inclui o valor da devastação da floresta para a formação de pastos”, explica. O Fórum Amazônia reúne mais de 130 empresas e organizações que estão dialogando sobre os desafios da região.
O Fórum tem mostrado às empresas que as externalidades devem ser parte da conta. Com isso, empresas que têm compromisso com o tema refazem suas contas, e buscam formas de se reinventar com um forte viés de transparência e perenidade. Esta é a experiência que vem sendo desenvolvida pela Alcoa na pequena comunidade de Juruti, no Oeste do Pará, onde a empresa está implantando sua maior mina de bauxita. “Estamos construindo caminhos ao caminhar”, explica Fabio Abdala, gerente de meio ambiente e sustentabilidade da mina. A empresa está apoiando a atuação de conselhos municipais de desenvolvimento, onde os cidadãos definem junto com o poder público como proteger a cultura da região e que destino aos novos recursos que chegam aos cofres públicos..
Também da Amazônia vem o primeiro exemplo de um fundo voltado para o financiamento de atividades que preservem a floresta em pé. A Fundação Amazonas Sustentável, uma parceira entre o Governo do Estado do Amazonas e o Bradesco criou a primeira experiência de um fundo para a Redução de Emissões Através de Desmatamento Evitado (REDD em inglês). O programa é conhecido como Bolsa Floresta, e paga uma bolsa para as famílias que habitam áreas de preservação. Desta forma as famílias, que antes eram uma ameaça para a floresta, passam a fazer parte de um sistema permanente de preservação e defesa da floresta. Alguns críticos dizem que os recursos vêm de um negócio entre Bradesco e Governo do Amazonas,pelo qual o Bradesco passa a administrar a folha de salário do Estado. Melhor financiar políticas públicas do que corrupção.
Além de viajar, outra coisa que faço com freqüência é julgar projetos e reportagens sobre responsabilidade social, meio ambiente e sustentabilidade. Apenas este ano foram uns dez. Entre eles o de Biodiversidade da Mata Atlântica, da SOS e Conservação Internacional, o Prêmio ANA, da Agência Nacional de Águas, da Ford Foundation, da Amchan Rio, Petrobras Ambiental e outros. Na grande maioria das vezes as iniciativas que mais me impressionaram vieram de fora do eixo BSB/Rio/São. O olhar da sustentabilidade é diferente conforme o ponto de observação. Pessoas, empresas e organizações de fora estão mais preocupados em inovar e buscar alternativas, e estão obtendo mais sucesso nisso do que seus concorrentes e similares de grandes centros.
Iniciativas no Nordeste, onde a gestão de água tem de ser sustentável, servem de referência para todo o País. Políticas públicas de educação, saúde, meio ambiente e desenvolvimento agroindustrial estão sendo implementadas por todos os lados e não são protagonistas na mídia. O jornalismo tem vindo a reboque da sociedade e das empresas, sem oferecer um contexto de futuro. Afinal, presente e futuro são parte da mesma equação neste momento da história. Mas não só o jornalismo nacional. As mídias regionais, em sua maioria, miram-se em seus similares de luxo no Rio e São Paulo. E as pequenas mídias, rádios e jornais de pequenas cidade, não têm recursos e capacitação para amplificar as políticas públicas locais.
Uma das capacidades impressionantes dos brasileiros é a vontade de empreeeder. No entanto, apenas se constrói negócios sobre desafios conhecidos. A mídia tem como papel oferecer o cenário sobre o qual a sociedade realiza suas iniciativas. É preciso uma mídia que pare de olhar a realidade pelo retrovisor. Nesta linha há algumas experiências interessantes. No Ceará a Fundação Konrad Adenauer juntou uma turma de estudantes e jornalistas do Norte e Nordeste e levou para Santarém para conversar sobre e conhecer a Amazônia. Desta experiência, em parceria com uma ONG local, o Saúde & Alegria, emergiu um trabalho interessante de reportagens feitas pelos participantes. Juntaram, também, jornalistas experientes, como Marcelo Leite e eu para oferecer nossa visão da equação jornalismo/Amazônia. O resultado é uma revista de reportagens muito interessantes. (http://www.kas.de/wf/doc/kas_15054-544-5-30.pdf)
Na cidade de Inhumas, próxima a Goiânia, um jovem secretário de Saúde, Fernando Gadia, mostra todos os dias como o serviço público pode ser exercido com dignidade. O atendimento de saúde da infância e a ala pediátrica do principal hospital público são referências no Estado de Goiás. Assim como no Rio Grande do Norte a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos conseguiu estabelecer o compromisso de 120 comunidades para a preservação e uso racional da água, um insumo escasso na região.
Em Cáceres, no Mato Grosso, a maior empresa da cidade é um grupo empresarial que atua na venda de motocicletas, automóveis e tem fazendas com atividade pecuária. Até ai normal. O surpreendente é que a gestão do Grupo Cometa é baseada em modernos princípios de tecnologia da informação, com integração on line de unidades em cinco estados da Amazônia, em localidades tão distantes como Tefé e Tabatinga, no Amazonas, e Belém, no Pará.
Poucas são as iniciativas em grandes centros que estão realmente alinhadas com práticas sustentáveis. Idéias, estas certamente são muitas. Ainda no Mato Grosso, recentemente aconteceu a Expo 2008, um evento que levou cerca de 9 mil pessoas ao Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá. Lá, centenas de iniciativas em desenvolvimento local formaram um cenário de possibilidades.
O que o Brasil do Século XXI vai oferecer como contribuição à transição de modelo de desenvolvimento certamente não virá da “Avenida Paulista”. O que São Paulo ou Rio podem oferecer é similar ao que outras metrópoles podem dar. No entanto, o Brasil que vai além disso, que tem uma imensa riqueza de biomas e culturas, pode dar uma contribuição definitiva para esta transição. Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampas são fatores decisivos para uma economia forte e rica baseada na capacidade de produzir e agregar valor à biomassa. (Envolverde)
* Dal Marcondes é diretor de redação da Envolverde, recebeu por duas vezes o Prêmio Ethos de Jornalismo e é Jornalista Amigo da Infância da Agência ANDI.
(Agência Envolverde)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário