segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Envolverde - Disputa impediu criação de instituto estrangeiro na Amazônia
Por Maria Lúcia Morais, da Agência Amazônia
BELÉM, PA – Novembro de 1945. Fim da Segunda Guerra Mundial. É criada a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Agência especializada da ONU, para a promoção da cooperação internacional nas áreas de educação, ciências, cultura e comunicação, a Unesco teve vários desafios quando iniciou a Guerra Fria, entre eles o de melhorar as condições de vida do pós-guerra por meio da ciência.
Em maio de 1946, a ONU propôs até a criação de um Conselho Internacional de Pesquisas Científicas, um projeto que os Estados Unidos vetaram. A Unesco passou a priorizar, também, ações voltadas para os países periféricos. Entre os vários projetos previstos havia a criação, na Amazônia, de um grande centro internacional voltado para coordenar pesquisas na área das Ciências Naturais: o Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA).
Ciência diminuindo problemas
Membro efetivo da Unesco desde 1946, o cientista e diplomata brasileiro Paulo Carneiro foi o autor do projeto de criação do IIHA, que, inicialmente, seria gerenciado pela própria Unesco. Adepto do humanismo positivista, Carneiro defendia a idéia de que a ciência era neutra e universal. “Para os cientistas da época, a ciência era universal e, portanto, internacional”, explicou o historiador francês Patrick Petitjean, em Conferência denominada “A Unesco e o Instituto Internacional da Hiléia Amazônica”, promovida quinta-feira, 22, no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém.
Para Petitjean, a criação de centros de cooperação científica em países periféricos, como o Instituto da Hiléia Amazônica, no Brasil, representa uma ruptura com o eurocentrismo vigente na época. “A ciência passou a ser vista, então, como um meio de diminuir os problemas mundiais, como fome, desertificação, superpopulação. Era um bem comum”, completa.
Diferenças ideológicas
O primeiro projeto de criação do IIHA foi apresentado por Carneiro em 1945 para o Ministério da Agricultura. A intenção do diplomata era estabelecer parceira entre o Brasil e a França, para a implementação do Instituto, que tinha como objetivos promover estudos de ciências humanas e naturais na hiléia amazônica, formar cientistas e criar laboratórios de pesquisas na região.
No entanto, o projeto foi rejeitado em fevereiro de 1946, após avaliação do diretor do Instituto Agronômico do Norte, Felisberto Camargo, perito contratado para avaliar o projeto. Segundo Petitjean, havia diferenças ideológicas entre os dois pesquisadores. Enquanto o projeto de Carneiro era voltado para pesquisas básicas, Camargo defendia o desenvolvimento de pesquisas aplicadas na região.
Em novembro do mesmo ano, Carneiro reapresenta o projeto na primeira Assembléia Geral da Unesco, agora sugerindo a incorporação do Museu Goeldi ao novo instituto, que seria referência internacional em pesquisa na Amazônia. A idéia era aproveitar a infra-estrutura do Museu Goeldi e estabelecer uma rede de centros de pesquisa. Dessa forma, o Goeldi passou a ser o ponto de partida desse novo projeto. “Foi um bom projeto apresentado em um bom momento, pois a Unesco precisava de ações concretas nessa área. Mas acho que o Museu Goeldi nunca foi consultado sobre isso”, conta Petitjean.
Um não ao colonizador
Em 1947, o Conselho Executivo da Unesco escolheu um naturalista inglês e um médico grego para chefiar o IIHA, gerando protesto por parte de Paulo Carneiro, que criticou a forma como a instituição estava sendo estruturada. “Carneiro acusou a Unesco de ser etnocêntrica e centralizadora demais. Para ele, era preciso ter uma forte personalidade latino-americana para dirigir a instituição”, lembra o historiador. “Não esqueça, senhor diretor, que os países sul-americanos não gostam de ser tratados como colônias”, afirmou Paulo Carneiro em carta enviada ao diretor da Unesco.
Em contrapartida, o governador do Pará, Luís Geolás de Moura Carvalho, mostrava entusiasmo com a criação do instituto na Amazônia, declarando, segundo o historiador francês: “A Amazônia é nossa, mas a serviço do mundo e da ciência”.
Porém, os norte-americanos estavam cada vez mais reticentes com o projeto de Carneiro e, em 1947, suspenderam qualquer tipo de financiamento para o IIHA. “Os anglo-saxões achavam que era um bom projeto, mas que a Unesco não tinha condições para financiá-lo”, completa Petitjean.
E então, devido às diversas pressões, o instituto encerrou com as expedições. “Para os EUA, a Unesco era européia demais, comunista demais. E a parceria do Brasil com o órgão da ONU não era vantajosa para eles, o que também desagradava o presidente Arthur Bernardes”, explicou o historiador francês.
(*) É editora na Agência Museu Goeldi.
Instituto Hiléia, uma tentativa frustrada de ocupação da Amazônia
BRASÍLIA — O Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA) ao qual o historiador Patrick Petitjan se refere era, na verdade, a reedição frustrada do Bolivian Syndicate. Para quem não sabe, o Bolivian Syndicate foi uma iniciativa financiada no século XIX pelos ingleses na Amazônia. Sua finalidade: explorar o caucho (a seringueira conhecida dos brasileiros) e, aos poucos, garantir a ocupação de uma área de 152.581,1 km² (onde hoje é o Acre) pela a Bolívia.
Na prática, a ação do Bolivian Syndicate se constituiu na primeira tentativa concreta de internacionalização da Amazônia. Era o ano de 1899. Os bolivianos, patrocinados pelos ingleses, tentaram assegurar o controle da área. Organizados pelo gaúcho José Plácido de Castro, os brasileiros se revoltaram e houve confrontos fronteiriços. Gerou-se à época o episódio que ficou conhecido como a Questão do Acre. Em 17 de novembro de 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, o Brasil recebeu a posse definitiva da região.
Após integrado ao Brasil como território, o Acre dividido em três departamentos. A área passou ao domínio brasileiro em troca do pagamento de dois milhões de libras esterlinas, de terras de Mato Grosso e do acordo de construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, em Rondônia.
Quase cinquenta anos após o episódio do Acre, outra tentativa de apropriação das riquezas da Amazônia. Desta vez, as escaramuças nesse sentido não vieram de uma país específico, mas de um organismo internacional.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Amazônia se tornara alvo dos interesses internacionais. Vários projetos de outros países se voltaram para a Amazônia, com pretextos diferentes a:) tratava-se de um grande vazio demográfico que precisava ser ocupado; b) a região era detentora de fantásticos recursos naturais que deveriam ser colocados à disposição da humanidade; c) esses recursos naturais e, em especial, a sua rica biodiversidade, deveriam ser objeto de pesquisas científicas que os países amazônicos não tinham condições de fazer.
Foi nesse contexto em que surgiu a Convenção de Iquitos. Ela previa, entre outras “bondades”, que os países amazônicos perderiam a jurisdição sobre as terras compradas pelos países do norte para o Instituto Hiléia, criado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com a finalidade de planejar, coordenar e fazer pesquisas científicas sobre a Amazônia. Quando, porém, a Convenção foi submetida ao Congresso Nacional, o projeto não foi aprovado e abandonado.
Chegou-se a pensar em ocupar o vazio demográfico da Amazônia com populações de países asiáticos superpovoados e até transformar a Amazônia num abrigo para a população norte-americana em caso de guerra nuclear. Não faltaram projetos mirabolantes como o da megabarragem em Óbidos, no Pará, que iria se alagar até Manaus (AM), para produzir uma imensa quantidade de energia elétrica. (Chico Araújo)
Crédito da imagem: NOAA
(Envolverde/Agência Amazônica)
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