quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Valor - Aneel ameaça vetar início de operação de sete termelétricas

Por Daniel Rittner e
Josette Goulart

Irregularidades detectadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nos contratos de fornecimento de combustível assinados com a Petrobras podem comprometer o início das operações de sete usinas termelétricas nas próximas semanas e causar um "buraco" de 820 megawatts (MW) na oferta prevista de energia em 2009. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, foi surpreendido com a notícia na virada do ano e convocou a Aneel e a cúpula da Petrobras para uma reunião de emergência, amanhã.

À semelhança do ocorrido em 2006, quando a estatal acabou reconhecendo a insuficiência de gás natural para atender todas as usinas movidas com o insumo, o alerta foi feito em dezembro pelo diretor-geral da agência, Jerson Kelman. Agora, o problema afeta as térmicas que usam óleo combustível ou diesel. Das sete usinas, a primeira - Potiguar, localizada em Macaíba (RN), com 52,8 MW de potência instalada - deveria ter começado a gerar energia em dezembro. Os outros seis projetos tinham o início das operações previsto entre janeiro e março.

Kelman avisou que a Aneel vetará a entrada em funcionamento dessas térmicas caso não sejam feitas correções nos contratos firmados com a BR Distribuidora. Segundo ele, empresa se comprometeu a fornecer todo o óleo necessário para as usinas, mas descumpriu frontalmente três resoluções da agência que determinavam a inclusão, nos contratos, de multas pesadas em caso de interrupção no suprimento do combustível.

As sete térmicas em questão participaram e venderam energia em leilões realizados entre 2005 e 2006. Para o diretor da Aneel, houve falha da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), encarregada do planejamento do setor elétrico e presidida por Maurício Tolmasquim. "A EPE não deveria tê-las habilitado para o leilão", afirmou Kelman, explicando que era responsabilidade da EPE ter verificado o atendimento dos contratos às condições fixadas pela agência.

Tolmasquim argumenta, entretanto, que a EPE não pode seguir resoluções da Aneel para estabelecer condições no momento da habilitação dos empreendedores para o leilão. As exigências são feitas com base em uma portaria do ministério, segundo ele, e as regras determinam apenas que o projeto disponha de combustível assegurado. "Mesmo assim, analisamos apenas um pré-contrato, pois nessa fase não é possível que os empreendedores tenham os contratos fechados", afirmou.

O ministro ficou sabendo no fim de dezembro da nova confusão envolvendo as usinas termelétricas. Ele demonstrou preocupação com o assunto e convocou uma reunião para amanhã, em Brasília. "Houve uma divergência de pontos de vista entre a Petrobras e a Aneel", reconheceu Lobão. "Há necessidade de a Petrobras dizer se está ou não em condições de fornecer óleo combustível. Ainda não temos a solução, mas tenho certeza de que vamos encontrar um território de entendimento."

Além do próprio Lobão e de Kelman, que deixa o comando da Aneel na próxima semana, devem participar da reunião o presidente da BR Distribuidora, José Eduardo Dutra, e a diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster. Lobão procurou passar uma mensagem tranqüilizadora e garantiu que "o povo brasileiro não será surpreendido por falta de energia". Kelman advertiu que se não for encontrada uma solução, o problema pode atingir também usinas com início das operações em 2010. "Não temos nenhum risco de afetar a segurança energética nem em 2009 nem em 2010", disse Lobão.

Três resoluções da Aneel - 433 (de 2003), 190 (de 2005) e 222 (2006) - definiam o cálculo das multas a geradores e seus fornecedores de combustíveis caso haja interrupção na produção de energia. A regra é válida não apenas às térmicas movidas a óleo combustível ou diesel, mas também para aquelas que usam outros insumos, como o gás natural. São dessas regras, que geram penalidades bastante onerosas, que a Petrobras se esquivou nos contratos indicados pela Aneel.

Até 2017, segundo o Plano Decenal de Energia recém-divulgado pela EPE, devem entrar em operação 81 termelétricas. A partir de 2014, conforme estimativas do plano, "a oferta de óleo combustível passará a ser inferior à demanda, configurando cenário de importação líquida".

A questão também pode afetar os investimentos realizados pelos empreendedores. Juntas, as sete usinas garantiram uma receita de R$ 230 milhões por ano, em valores de 2006. Se não entrar em operação, a Potiguar, por exemplo, que deveria ter iniciado suas atividades em dezembro, deixa de faturar neste ano pelo menos os R$ 14,6 milhões, sem correção, que havia garantido como receita da venda de energia. Já a receita fixada para a usina de Goiânia II era de R$ 24 milhões e a Potiguar III de R$ 16 milhões, ambas com entrada em operação previstas para este mês de janeiro. Das sete térmicas, três pertencem à BR Distribuidora.

A nova confusão é parecida, embora menos grave, do que a crise do gás em 2006. No último trimestre daquele ano, a Aneel determinou a realização de testes que comprovaram a insuficiência de gás da Petrobras para abastecer todas as térmicas que tinham contratos. Na época, Kelman enfrentou resistências do governo e colidiu de frente com o então ministro Silas Rondeau, a quem disse que não poderia adotar "postura de avestruz" e evitar uma medida dura contra a Petrobras. A estatal foi obrigada a assinar um termo de compromisso com a Aneel em que reconheceu a falta de gás e se comprometeu a repor gradualmente o insumo até 2011. Isso levou, no entanto, a um "rombo" súbito de mais de 4 mil MW no sistema e aumentou os riscos de déficit de energia.

Nenhum comentário: