Por Bettina Barros, de São Paulo
A prorrogação em mais um ano da moratória da soja, afirmada ontem pelo ministro Carlos Minc, pegou os ambientalistas de surpresa. Primeiro porque isso ainda não é certo. Segundo porque a adesão do governo às discussões - embora bem-vinda - não era prevista.
"Fiquei surpresa", disse Ana Cristina Barros, representante da The Nature Conservancy (TNC), ONG signatária da moratória. Segundo ela, não ficou claro qual o envolvimento de Brasília no acordo, fechado em 2006, entre setor privado e ambientalistas. Tampouco quem teria passado a informação a Minc, uma vez que ainda há divergências a serem resolvidas.
O Greenpeace acredita que o ministro se precipitou. Paulo Adário, representante para a Amazônia da ONG, está em Bruxelas buscando apoio de compradores como o Carrefour para pressionar pelo boicote. Procurada, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) não comentou. O desencontro sugere possível racha no grupo.
O calcanhar-de-aquiles nesse processo é a flexibilização de um eventual segundo período de moratória. Nos moldes atuais, o acordo impede a compra de soja do bioma Amazônia. Na época, a indústria - representada pela Abiove e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) - e as tradings Bunge, Cargill, ADM e Amaggi concordaram com o desmatamento zero.
De lá para cá muita coisa mudou, levantando dúvidas quanto ao comprometimento do setor com o acordo. Em 2006, o agronegócio brasileiro vivia dias ruins: os preço da soja era baixo, os produtores estavam endividados, o mundo consumia menos. Fechar uma moratória neste contexto, portanto, não era exatamente difícil.
O cenário hoje é o oposto. As cotações da soja no mercado internacional dispararam - de R$ 27 a saca em julho de 2006 para R$ 46 ontem. Em recente entrevista ao Valor, a própria Abiove advertiu sobre a necessidade de derrubar mais árvores para atender à demanda por soja (chinesa, sobretudo). "Se alguém desmatar dentro da lei, vamos comprar", disse Carlo Lovatelli, presidente da entidade, indicando as cartas postas à mesa.
Lovatelli referia-se a um ponto crucial para a moratória, sobre o qual o ministro não elaborou. Do ponto de vista do setor, não é mais possível preservar o que a própria legislação permite desmatar. No bioma Amazônia, as propriedades rurais devem manter 80% da mata em pé, mas podem derrubar 20%.
Do ponto de vista das ONGs, pode ser uma pá de cal nos esforços feitos até agora. Ana, da TNC, diz que uma vez que se comece a cortar, não há mais controle. Isso porque as propriedades não são georreferenciadas nem cadastradas, diz ela. "Como saber, então, quem está produzindo o quê e onde? Como saber que estão sendo cortados apenas os 20% de direito?"
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