segunda-feira, 9 de junho de 2008

Envolverde - Quem Ameaça a Soberania na Amazônia?


Por Cândido Grzybowski*

É urgente e inevitável! Infelizmente, como há muitos anos, dia 5 de junho último, dia do meio ambiente, o assunto dominante foi o nosso maior bioma, a Amazônia. Território imenso – com mais de 50% do território do Brasil – , com uma população de pouco mais de 20 milhões de habitantes – 12% dos brasileiros e brasileiras –, a Amazônia condensa em si, no seu povo, nas suas florestas e rios, na sua biodiversidade, o país de contrastes e oposições que é o Brasil. Basta abrir qualquer jornal, ver qualquer programa de televisão, estar antenado na internet ou, ainda, se dispor a beber um chope no bar da esquina que as controvérsias sobre a Amazônia ocupam lugar de destaque. Sem dúvida, o recente contencioso entre o espalhafatoso ministro Minc e o rude governador latifundiário Maggi ajudam a acentuar o lado dramático da questão. Talvez assim acabemos por encarar o problema seriamente.

Queiramos ou não, cabe a nós, cidadãos e cidadãs do Brasil, zelar por um imenso patrimônio natural, a última grande floresta tropical do Planeta. A gestão desse patrimônio pode afetar o futuro da humanidade. O fato não vê quem não quer ver. O modo como nos relacionamos com o bioma amazônico afeta a nós direta e imediatamente, sem dúvida, mas afeta também o clima da humanidade em seu conjunto. Podemos dar as costas ao mundo para enfrentar nossas históricas mazelas de subdesenvolvimento, exclusão e desigualdade social, com uso predatório de recursos naturais? Será que a questão é essa mesmo?

Na mesma medida em que cresce a consciência ambiental, vale dizer, da intrínseca e determinante inter-relação entre todos os seres vivos e seu meio ambiente – como bens comuns naturais da vida –, nos deparamos com uma incontornável constatação: a destruição ambiental causada pela civilização industrial-produtivista-consumista, que está nos levando a um desastre climático de dimensões dramáticas. Como humanidade, como diferentes povos e culturas do Planeta, temos uma tarefa comum para que nossos filhos, netos e seus descendentes tenham o mesmo direito à vida que nos foi dado. É nesse contexto que importa situar a questão da Amazônia. Antes de ser responsabilidade de qualquer outro povo, trata-se de tarefa para nós mesmos, brasileiros e brasileiras, ocupando esse magnífico e imenso território.

Afinal, olhemos as coisas como elas são. A destruição da floresta amazônica avança de forma assustadora. A destruição se mede por quilômetro quadrado, na escala dos milhares, do tamanho de países, a cada ano! Coisa nossa, e não de agentes externos. Claro, sempre é possível tapar o sol com a peneira e contestar as medidas, como se isto fosse capaz de negar o fato. Grileiros e madeireiras ganham e muito neste processo de terra arrasada. Depois, vêm o boi, a soja, a cana, o eucalipto para carvão e celulose; produtos de exportação em que se transforma a nossa natureza.

Bom para contas externas, ruim para o bem-viver, para o nosso futuro e o do mundo. Nada em benefício dos povos da região. Pior: a destruição não se limita à floresta e o que ela contém de biodiversidade vegetal e animal. O subsolo amazônico é, hoje, território de reserva de minerais disputados pelas grandes corporações econômico-financeiras, a começar pela Vale do Rio Doce – que nem mais se apresenta como brasileira, mas como empresa global –, de forma totalmente alheia às necessidades e desejos da população local. Vale dizer: contra ela! E chamam isto de desenvolvimento!

No rastro das mineradoras, sobram terras devolutas e de povos tradicionais invadidos e dilapidados e muita fumaça, como das carvoeiras e das indústrias de ferro-gusa. Tem também as hidrelétricas, grandes e fantásticas obras de engenharia para, no fundo, continuar o mesmo modelo de produção e consumo insustentáveis nos grandes centros urbanos de fora da região. Afinal, nenhuma dessas grandes obras se justifica pelas necessidades da população amazônica nem de sua economia – que, aliás, vai continuar carente de eletricidade depois da várias usinas planejadas, como com as feitas no passado.

O debate no Brasil sobre todas essas questões foi enquadrado pelo ideologia ainda dominante do desenvolvimentismo – vale dizer, do crescimento do PIB, selvagem ou não, como condição de realizar a tão almejada, mas ainda não realizada, inclusão de todos nas benesses do desenvolvimento – e acabou enveredando numa questão política de soberania sobre a Amazônia.

Nesse processo, invertem-se os papéis: criminalizam-se os verdadeiros defensores da Amazônia e adotam-se as propostas dos verdadeiros criminosos, que atentam contra a soberania do Brasil. Quem defende a aplicação das leis democráticas, com mais Estado na Amazônia, para criar melhores condições de vida condizentes com o uso sustentável dos enormes recursos do bioma é visto como atentando contra a soberania brasileira. Nessa visão, são agentes contra a soberania as ONGs, os ambientalistas, os missionários, os ativistas de direitos humanos, os intelectuais e todos que denunciam e se opõem à destruição ambiental e lutam em defesa dos direitos humanos de trabalhadores, indígenas, quilombolas, produtores familiares, ribeirinhos, seringueiros.

Por outro lado – e numa inversão sinistra dos sinais – todos os que desrespeitam as leis e desafiam o poder democrático, montando suas milícias privadas, usurpando terras e destruindo a floresta, com seus asseclas de vereadores, deputados, senadores e governadores, bem como policiais, juízes e até militares, aparecem (pasmem!) como defensores da soberania. Aqui, porém, parece que a soberania de que se fala é a mesma do senhor colonizador, de conquistar, dominar e explorar à exaustão, não importa se matando gente e destruindo seu ecossistema.

O Dia do Meio Ambiente – uma questão de cidadania local e planetária, ao mesmo tempo – deve nos levar a pensar na soberania cidadã sobre suas condições de vida. Não se enganem, senhores de gado, de minério e de gente na Amazônia: a cidadania brasileira saberá encontrar a forma de fazer prevalecer a sua soberania, a do Estado democrático e republicano dos direitos, sobre todo o território e sobre todos que aí vivem, para o seu bem, o nosso bem e o da humanidade inteira!

* Cândido Grzybowski é sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

(Envolverde/Ibase)

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