quinta-feira, 5 de junho de 2008

Valor - Legislação ambiental forma mosaico cheio de contradições


Por João Carlos de Oliveira, para o Valor, de São Paulo

Nos últimos três meses, mais de quarenta novas normas ambientais (entre leis, decretos e resoluções) foram aprovadas ou baixadas no Brasil. Uma delas regula a reciclagem dos vasilhames PET. Os números e o exemplo são de Kárim Ozon, especialista em direito ambiental do escritório Veirano Advogados, que, periodicamente, divulga um resumo das principais novidades do setor em uma newsletter distribuída para seus clientes.

No Brasil, a União, os Estados e os municípios têm competência comum para legislar. Em tese, cabe à União definir as regras gerais, enquanto Estados e municípios podem adotar outras regras, normas e procedimentos, desde que, claro, não firam os princípios gerais. Enfim, a legislação deveria completar-se e complementar-se, como em um quebra-cabeças.

Na prática, porém, as normas legais formam, na descrição de Kárim, um mosaico. Nele, há, sim, regras contraditórias, conflitos de interpretação e lacunas que tornam difícil para "o empreendedor entender o que precisa fazer e como deve fazer". Esses problemas tornam as leis e normas menos eficientes.

A especialista afirma considerar possível que a crescente preocupação da sociedade com a questão ambiental contribua para aumentar ainda mais este mosaico, mas pondera que "há uma beleza" nesse movimento, já que as respostas locais (municípios e Estados) podem gerar mecanismos mais eficientes de controle e prevenção.

Já Paulo de Bessa Antunes, sócio do escritório Bastos-Tigre Advogados, considera um equívoco o que chamou de "essa tendência de criminalizar tudo na área ambiental, quando é o oposto que está ocorrendo nas outras esferas do Direito".

Um exemplo disso é o fato, segundo ele, de a política energética brasileira preconizar a construção de novas hidrelétricas, porque elas geram energia limpa, enquanto a dificuldade de emissão de licenças impede a construção dessas mesmas usinas. "Os resultados dos leilões indicam que energia futura que está sendo vendida é só de térmicas. Ou seja, está se comprando mais poluição."

Kárim afirma que, no Rio de Janeiro, de fato, o então secretário estadual e agora ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, conseguiu acelerar o prazo para a liberação das licenças - descentralizando a tomada de decisões. "O ideal é que exista um processo de licenciamento diferente para, por exemplo, um complexo petroquímico e uma oficina mecânica, que também pode gerar algum impacto ambiental por conta do óleo."

Antunes acredita como Kárim que um bom arcabouço legal deve induzir o crescimento de atividades produtivas mais favoráveis à preservação ambiental, "e isso se faz criando facilidades, ganhos, e não apenas fixando proibições".

Kárim cita como um bom exemplo o chamado ICMS verde, adotado recentemente no Rio. Pelo projeto, as prefeituras que investirem na qualidade da água, no tratamento de lixo e na preservação de florestas terão acesso a mais recursos na distribuição do ICMS fluminense. O Paraná foi o primeiro a criar o ICMS verde, em 1991. De lá para cá, o Estado aumentou em 14 vezes a área protegida em seus municípios. Em resumo, a lei dá mais recursos para quem defende o meio ambiente.

Na cidade de São Paulo, outra lei estabelece que a água das casas com três banheiros ou mais e dos prédios residenciais ou comerciais que serão construídos a partir deste ano sejam aquecidos com energia solar. Prédios que já estão prontos, ou que já tiveram as plantas aprovadas não precisam fazer alterações no projeto.

Apenas com essa norma, até 2015, conforme estima o Departamento Nacional de Aquecimento Solar da associação que reúne os fabricantes de ar condicionado, ventilação e aquecimento, São Paulo contará com mais de 580 mil m2 de coletores solares, reduzindo em 35 mil toneladas a emissão de CO2 e economizando R$ 820 milhões - o equivalente à construção de uma usina de energia com potencial de 200 mil KW (200 MW).

Um exemplo negativo dessa relação entre incentivo e degradação ambiental pode-se ver na questão amazônica. É fato, por exemplo, que o desmatamento voltou a crescer porque havia financiamento - "que o CMN teve de proibir, apesar de a lei já o fazer", como argumenta Antunes - e porque os preços das commodities estão em alta no mercado internacional.

Somente em abril, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 1.123 km quadrados foram devastados na Amazônia - uma área equivalente à cidade do Rio de Janeiro. Para se ter uma idéia do que isso significa, basta dizer que o desmatamento de uma área florestal de 2.000 hectares libera a mesma quantidade de CO2, decorrente da queima de combustíveis fósseis, que uma cidade de 280 mil habitantes emite no período de um ano. E um hectare equivale a um campo de futebol (10.800 metros quadrados) tem sido devastado a cada dois segundos nos últimos 20 anos na Amazônia.

O total anual global de emissões provenientes do desmatamento é de 1,67 bilhão de toneladas de dióxido de carbono, dos quais 800 milhões são originários do Brasil.

Antunes e Kárim concordam em que, além do desmatamento, os principais problemas ambientais brasileiros são tipicamente urbanos: lixo, qualidade da água, contaminação do solo - "um problema sério no Brasil, já que o que se fez no passado será pago pelo atual proprietário" -, tratamento de esgoto, poluição do ar, emissões de gases de efeito estufa etc. Para enfrentar esses problemas, Antunes propõe que se adotem políticas e regras para as regiões metropolitanas.

De qualquer forma, seja qual for a lei, a primeira tarefa que cabe ao Estado é fazer com que a lei seja cumprida, frisa Sérgio Besserman, professor de economia da PUC-RJ e ex-presidente do BNDES e do IBGE. "Ser leniente com uma lei é um caminho que ameaça a democracia, porque se uma lei pode ser descumprida, não há porque cumprir com as demais."

Besserman acredita que ainda não está definido nem no mundo nem no Brasil qual será o melhor formato para a legislação ambiental daqui para frente, "até porque não está definido qual será o modelo para o desenvolvimento sustentável e quais serão as regras que vão prevalecer pós-Kyoto". A empreitada, diz, não é trivial, porque envolve dar preço para algo que "se imaginava um bem público inesgotável: os serviços e os bens da natureza".

Apesar da indefinição dessa transição, algumas das tendências já são consensuais, como a da crescente restrição do uso de carros e do transporte individual. "Por duas razões: os congestionamentos e as emissões de poluentes. No Brasil, isso envolve também a Petrobras, já que é preciso regular a quantidade de chumbo presente no diesel", afirma.

Crédito da imagem: Nelson Perez / Valor

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