quarta-feira, 4 de junho de 2008

Envolverde - Pesquisa revela a fauna extinta da Amazônia


Por Dandara Assunção, do MCT

Milhões de anos separam tartarugas e jacarés da Amazônia de hoje de suas famílias originais

Imagine uma tartaruga de mais de dois metros de comprimento e você estará numa região amazônica de há cerca de oito milhões de anos. Da espécie Stupendemys geographicus, o quelônio era um dos membros da família pré-histórica regional. O fóssil dessa tartaruga, entre outros da fauna da região, compõe a Coleção de Paleontologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCT), em Belém (PA).

Numa viagem no tempo, percorrendo a barreira dos 145 milhões de anos, que transporta a imaginação para a vida animal na região amazônica, a paleontóloga do Goeldi, Heloisa Santos, falou sobre os "Vertebrados na Amazônia: passado e presente" em evento do Ciclo de Palestras da Exposição Unidade e Diversidade: a Teoria da Evolução completa 150 anos.

Para uma platéia de estudantes que visita a exposição no Museu a cada dia, a pesquisadora falou sobre a evolução da vida animal na Amazônia a partir dos fósseis dos gigantescos animais que habitaram a região há milhões de anos. Segundo Heloísa, no período Cretáceo, que terminou há 65 milhões de anos com a extinção de dinossauros e outros répteis, já existia, na região, uma espécie de quelônio parente próximo da atual tartaruga da Amazônia.

Quando se fala em gigantes, a imaginação, talvez, não alcance o tamanho e o peso daqueles bichos. É o caso da preguiça gigante, que tinha cerca de quatro metros de altura e pesava de três a quatro toneladas. Diferente das preguiças atuais, que são pequenas e vivem em árvores (arborícolas), a preguiça gigante era terrícola, mantendo-se no chão e se alimentando das folhas das copas das árvores. Parente do tatu, o Glyptodon era outro animal de grandes proporções, de tamanho aproximado ao de um carro modelo Volkswagen.

Heloísa falou também sobre a importância dos depósitos fossilíferos para o conhecimento da vida animal de espécies extintas há milhares de anos. Muitos dos restos – partes físicas dos animais - e vestígios – marcas de existência dos animais reveladas em pegadas, fezes fossilizadas, tocas, entre outros indícios - de fósseis são encontrados em rochas sedimentares e revelam particularidades de animais que viveram de 11 mil anos para trás no registro geológico. No caso da Amazônia, as principais rochas sedimentares que guardam restos de vertebrados são das unidades geológicas chamadas de Formação Solimões e Formação Pirabas.

Pirabas

Os fósseis que ocorrem na Formação Pirabas - uma importante fonte de investigação para cientistas que buscam informações sobre a era Cenozóica que ocorre de forma descontínua nos estados do Pará, Maranhão e Piauí, e tem suas principais ocorrências no nordeste do Pará - datam de 25 milhões de anos e correspondem na escala geológica ao Oligoceno-Mioceno Inferior.

Segundo a paleontóloga, são exemplos desse tempo, os fósseis de peixes-bois marinhos, encontrados principalmente em Salinópolis, na costa do Pará; e crocodilianos, quelônios, tubarões e várias espécies de peixes ósseos encontrados, principalmente, em Capanema (PA), no interior paraense.

Esses restos revelam que no passado existia um ambiente marinho nessas localidades. "Hoje, a única espécie de peixe-boi e as espécies de crocodilianos existentes na Amazônia são habitantes de água doce dos rios da Amazônia, e pelo seu habitat, denominados dulcícolas", informa Heloísa. Os gêneros e até algumas espécies de tubarões fósseis da Formação Pirabas são os mesmos que ainda vivem nos mares hoje. Na pesquisa, dentes e escamas dos peixes registrados são importantes vestígios para a descoberta dos hábitos alimentares e do tipo de ambiente em que viviam esses animais.

A maioria dos estudiosos atribui para a Formação Solimões, a idade Mioceno Superior, que corresponde a um tempo de 5 a 10 milhões de anos. As rochas dessa formação encontradas na Amazônia, mais precisamente no Acre, apresentam restos de animais do grupo dos marsupiais que, de acordo com a pesquisadora, tinham hábitos carnívoros e certamente se alimentavam de outros marsupiais e roedores. "Os marsupiais são representados pelos nossos gambás, mucuras e cuícas d’água", esclarece Heloísa.

A separação da América do Sul do super-continente Gondwanaland ao final do Cretáceo e seu isolamento por longo tempo na era Cenozóica, gerou uma fauna bem particular na Amazônia. Segundo Heloísa, "nesse tempo, inexistiam animais representantes dos carnívoros na região, os quais migraram para cá vindos da América do Norte após a formação do Istmo do Panamá, muitos milhões de anos depois". À época, o papel ecológico dos carnívoros era representado pelos marsupiais-carnívoros", explica a paleontóloga.

De acordo com ela, por meio dos fósseis, é possível conhecer o tamanho e o parentesco de alguns dos animais de grande porte que viveram na Amazônia. É o caso dos crocodilianos que habitaram a região no Mioceno Superior, pertencentes a uma família já extinta (Nettosuchidae) e às três famílias ainda existentes: Alligatoridae (jacarés), Crocodilidae (crocodilos) e Gavialidae (gaviais).

Alguns deles alcançaram grandes proporções, como o Purussaurus brasiliensis, que podia atingir até 18 metros de comprimento. "Essa espécie é parente dos nossos atuais jacarés, cuja maior espécie vivente é representada pelo jacaré-açú (Melanosuchus niger) que chega a medir cerca de cinco metros.

Embora alguns crocodilos e gaviais – outro grande réptil crocodiliano (Gavialis gangeticus) - tenham habitado a Amazônia há milhares de anos, hoje os raros crocodilos que ocorrem na América do Sul estão confinados ao norte do continente e a única espécie vivente de gavial só ocorre na Índia", explica Heloísa. Em Belém, no Parque Zoobotânico do Goeldi, um exemplar do jacaré-açú tem mais de meia tonelada.

Os gigantes que habitaram a Amazônia se extinguiram, alguns sem deixarem descendentes. Após a formação do Istmo do Panamá, há cerca de 1,8 milhões de anos (final da época Pliocênica e início da Pleistocênica), ocorreu o grande intercâmbio americano, em que muitos grupos de animais que habitavam o continente sul-americano migraram para a América do Norte e de lá para cá. "O curioso é que muitos animais que vieram do Norte para cá conseguiram sobreviver, mas quase todo os que fizeram o percurso contrário acabaram se extinguindo", comenta a pesquisadora.

Heloísa ensina ainda que ao final do Pleistoceno, há cerca de 10 mil anos, mudanças climáticas naturais também provocaram uma brusca mudança no ambiente: "A mudança climática que ocorreu no final do Pleistoceno levou a mudanças ambientais, por exemplo, a expansão de florestas, e isso teve um impacto dramático sobre os hábitos dos animais, o que contribui para a extinção dos gigantes da chamada megafauna do Pleistoceno".

Dos gigantes ao homo sapiens há uma larga escala de anos e de mudanças, mas essas transformações que antes eram naturais, hoje são de inteira responsabilidade humana. A floresta fechada de hoje, está voltando a ser as gramíneas que um dia permitiu o pasto de animais por essas regiões de forma natural, e não provocada por desmatamentos humanos, como ocorre hoje. O passado gigante que cerca a mesa de estudiosos poderá aumentar o ciclo de pesquisa, caso as espécies ameaçadas de extinção, como o peixe-boi amazônico e a onça pintada venham a sumir do mapa.

A natureza procura manter o seu equilíbrio, esse é o motivo de tanto desastres ecológicos. Enquanto o mundo continuar a emitir gases poluentes, ela revidará com a brutal violência que permitiu o surgimento do homem e a extinção de tantos animais do passado.

Serviço:

O Ciclo de Palestras da Exposição Unidade na Diversidade, prossegue todo este mês.


(Envolverde/MCT)

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