Opinião
Por Washington Novaes
Num planeta assustado com mudanças climáticas, é inevitável que a Amazônia não escape do noticiário de cada dia, tal a sua importância tanto para as condições no mundo como para o clima no País. É inquietante, assim, ouvir do novo ministro do Meio Ambiente que o desmatamento nesse bioma ficará entre 14 mil e 15 mil km2 em um ano (crescimento de mais de 20% sobre a taxa anterior). Ou que poderá chegar a 20 mil km2, segundo estudo do Imazon. Um terceiro levantamento, da Amigos da Terra, diz que em 2007 os bovinos abatidos na Amazônia Legal ultrapassaram 10 milhões de cabeças, quase metade do total nacional abatido e 46% mais que em 2004. De lá para cá, o crescimento do rebanho na região responde pela quase totalidade do que ocorreu no País - e por isso não levará tempo para ser questionado, já que cada bovino emite (Embrapa Meio Ambiente) 58 quilos de metano por ano, ou cerca de 12 milhões de toneladas anuais em todo o rebanho (equivalentes a cerca de 250 milhões de toneladas anuais de carbono).
Em Rondônia, diz o Grupo de Trabalho Amazônico, o desmatamento (9 milhões de hectares) já supera um terço da área total do Estado. Boa parte disso, ilegalmente, ou em "terra de ninguém", como afirma o Incra, já que 14,6% da área amazônica está em mãos de "posseiros ou grileiros". São no total 710,2 mil km2 (duas Alemanhas ou Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo juntos). Só no Pará, 288,6 mil km2 (23% do Estado).
A cada estatística, um sobressalto. Diz o Serviço Florestal Brasileiro que 29,3 milhões de hectares de florestas públicas não têm nenhuma destinação, não estão em áreas de conservação ou indígenas. E, de novo segundo o Imazon, 45% da floresta está sob alguma forma de pressão humana, incluindo desmatamentos ilegais, influência urbana, assentamentos rurais (regulares ou não), áreas de garimpo e queimadas. Não há organização que coordene as ações do governo federal na região amazônica, assevera o Tribunal de Contas da União (Amazônia Org., 14/6): "Faltam estruturas e diálogo entre os órgãos." Falta dinheiro também. Os gastos federais na Amazônia, segundo o IBGE, estão em 0,4% das despesas totais, inferiores a R$ 3 bilhões (Estado, 5/6), que podem ser comparados, por exemplo, com as despesas anuais em juros (em torno de R$ 170 bilhões/ano).
Anuncia o ministro do Meio Ambiente que em 2009 estará concluído o zoneamento ecológico/econômico da Amazônia, que definirá em que áreas podem ou não podem localizar-se atividades econômicas. E o ministro da Agricultura diz que será "total" a restrição à cana-de-açúcar na área. Segundo ele, já foram identificados 50 milhões de hectares de "áreas aptas" para essa expansão. Espera-se que não seja à custa de mais desmatamento em áreas de Cerrado, pois esse bioma já está perdendo 22 mil km2 por ano e tem 800 mil km2 desmatados. Mas fica um alerta no ar: diz o ministro Mangabeira Unger que onde houver zoneamento a área de reserva obrigatória em floresta poderá cair dos 80% em vigor para 50% (Estado, 18/6).
Outro alerta vem de informação do Ministério do Meio Ambiente (MMA): os proprietários que desejem financiamentos de bancos oficiais e privados - e que a partir desta semana precisariam provar a legalidade de sua ocupação e atividade - não precisarão "mostrar toda a titulação, apenas pedir a legalização" (Estado, 30/6). Até aqui, só cuidaram do recadastramento 3 mil de 15 mil médias e grandes propriedades nos 36 municípios que mais desmataram. Ao mesmo tempo, diz o ministro, o Ibama prepara "um pacote de medidas para simplificar o licenciamento de obras de infra-estrutura", porque se pretende reduzir à metade o tempo para licenciamentos. Resta torcer para que não se trate de um facilitário, já que, segundo o superintendente do Ibama, "metade dos estudos de impacto ambiental submetidos ao órgão não passariam por uma banca de mestrado".
São bem-vindos, certamente, os acordos com exportadores de soja e de madeira, para que não comprem produtos provenientes de áreas desmatadas (os Estados Unidos, por exemplo, já proibiram a importação das madeiras nessas condições). Mas é inexplicável que o MMA siga em seus planos de concessão de florestas públicas para "manejo sustentável" durante 40 anos (renováveis) por empresas privadas, quando continuam sem resposta todas as questões sobre as vulnerabilidades e até temeridade desse caminho para a biodiversidade, levantadas por cientistas conceituados. A elas se soma agora um estudo da Embrapa mostrando que a maçaranduba (madeira amazônica), quando abatida, precisa de 140 anos para ver recuperada a área, e não 30 anos, como prevêem os planos de manejo para o retorno da retirada de madeira a um trecho explorado. Na mata atlântica, diz a Biological Conservation, a recomposição da biodiversidade numa área "manejada" precisa de 100 a 300 anos.
Da mesma forma, causa estranheza o novo ministro dizer que, embora tenha posição pessoal contra a implantação da usina nuclear de Angra 3 e outras (por considerar sua energia cara e insegura, além da falta de destinação para o lixo nuclear), dará seguimento ao projeto do governo de avançar por esse caminho, ainda que o MMA tenha votado contra (e sido derrotado) na gestão anterior à sua. Da mesma forma, o ministro de Minas e Energia anunciar - sem reparos do MMA - que a Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, estará licenciada em 2009, quando seu estudo de impacto não foi sequer examinado pelo Ibama. Repete-se aí o caso do projeto de transposição do Rio São Francisco, aprovado em entrevistas pela ministra anterior, antes de examinado por um órgão a ela subordinado.
Fica a pergunta: e quando o Ministério do Meio Ambiente discutirá com a sociedade a matriz energética brasileira, a possibilidade de reduzir o consumo e a necessidade real de novas usinas?
Washington Novaes é jornalista
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