terça-feira, 22 de julho de 2008

O Globo - Idéias cepalinas

Coluna
Por Miriam Leitão

A Cepal continua ainda, em vários aspectos, cepalina: defendendo a presença do Estado na economia e aceitando o controle de preços. Mas com algumas mudanças, como a inclusão da variável ambiental nas suas preocupações. Isso foi o que contou a nova secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, em entrevista exclusiva à coluna. Ela lembra que este será o quinto ano de crescimento do PIB per capita acima dos 3% na região e diz que, não fossem os baixos crescimentos de Brasil e México, o número seria bem melhor.

Alicia Bárcena é a primeira mulher a assumir o cargo; um avanço para uma região tão machista. Antes de ocupar o posto, ela foi diretora da Divisão de Meio Ambiente; outra notícia interessante. Este ano, a Cepal completou 60 anos, e seguindo a ONU, sua holding, agora começa a concentrar esforços na questão ambiental. Nas várias respostas que nos deu, Alicia fez questão de frisar essa nova variável. Apesar de os tempos serem outros, a Cepal mantém a visão de que o Estado é peça importante no bom caminhar da economia, mas com a participação do setor privado. — Sem Estado, não existe desenvolvimento eqüitativo nem sustentável; sem setor privado, não existe investimento.

Mas o Estado não pode dirigir sozinho uma economia. Ele tem um papel imprescindível na provisão de bens públicos e para assegurar um desenvolvimento ambientalmente sustentável — afirma Alicia.

Ela reconhece que há ainda muitos problemas na região quando se trata de políticas de combate à mudança climática. Segundo Alicia, é preciso desenvolver ações mais coordenadas entre os países: — A América Latina é a região do mundo que mais contribui para as emissões de gases de efeito estufa por causa do desmatamento; em maior parte, na Amazônia. E a redução de emissões custa muito menos que outras alternativas de mitigação.

Alícia elogia o sistema de monitoramento brasileiro da Floresta Amazônica, mas diz que é preciso ter noção clara de que “existem forças que operam no sentido contrário, como a alta dos preços mundial dos produtos agrícolas”.

Perguntamos a ela sobre um outro tema crucial para a região: a energia. Como em todas as respostas, a nova secretária-executiva da Cepal começou elogiando os avanços para, logo em seguida, dizer sin embargo, e aí aparecerem todos os problemas de que temos conhecimento.

Assim sendo, fez elogios aos avanços, como os gasodutos, no entanto afirmou que “ainda falta muito para se alcançar um mercado comum de energia”.

E complementou que, ainda que tenham ocorrido importantes avanços nos países andinos, que eles foram muito menores nos países do Mercosul.

Muitos anos se passaram, porém, em diversos aspectos, a Cepal continua intervencionista como em outros tempos. Indagada sobre as opções de alguns países — leiam-se Argentina, Venezuela e mesmo México — pelo controle de preços, Alicia Bárcena afirmou que a Comissão não é contra o controle de preços ou do câmbio per se, mas que, neste momento, com uma inflação que considera de origem totalmente importada, essas políticas teriam efeito escasso ou nulo. “Principalmente em países onde a demanda de alimentos depende principalmente das importações.” Ela não citou, mas esse é o caso da Venezuela.

— Tais políticas poderiam fazer parte de um programa antiinflacionário, mas, para que tenham viabilidade, devem ser aplicadas dentro de uma disciplina que permita manter os equilíbrios macroeconômicos.

Um controle de preços, por exemplo, num contexto de desequilíbrio das contas públicas, ainda que tenha sucesso para conter o impulso inflacionário, pode dar lugar a um problema de abastecimento.

No atual cenário, acredita ela, seria melhor agir através de subsídios ao campo, para expandir a produção. Contudo, nem todos os países têm recursos fiscais para esse tipo de política. (E, de nossa parte, é bom lembrar que políticas assim tendem sempre a beneficiar setores que são historicamente os grande beneficiados.) Alicia discorda da idéia de que existem dois modelos econômicos diferentes na América do Sul, que separariam Brasil, Peru e Colômbia de Argentina, Venezuela e Equador. Ela afirma, de forma veemente, que o mercado funciona em todos eles, com responsabilidade fiscal e equilíbrio macroeconômico.

Difícil concordar. A secretáriaexecutiva diz que a região já aprendeu que não é razoável opor os investimentos nacionais aos estrangeiros.

“Com nossos níveis de poupança, precisamos do aporte do investimento estrangeiro.” Seu raciocínio é de que é preciso tirar melhor proveito desses investimentos — através, por exemplo, da absorção e troca de tecnologia.

À pergunta que não quer calar, por que a região cresce menos que o resto do mundo, Alicia trouxe um ponto interessante. Nos últimos anos, enquanto os gigantes asiáticos puxaram o crescimento da Ásia, os dois gigantes daqui — Brasil e México — fizeram o oposto.

Dessa forma, se ambos fossem excluídos da conta, nos anos recentes, pelo menos, a região teria índice semelhante ao das demais do planeta. Culpa nossa.

Mas, claro, o principal da explicação para termos perdido o passo está nos fatores estruturais: baixo investimento em educação, inovação, ciência e tecnologia, ainda mais quando comparado com a Ásia. A conseqüência: baixa produtividade.

— Os futuros trabalhadores da Argentina e do Brasil precisam, ao menos, do ensino médio completo para ter boas opções de acesso a empregos qualificados, com um salário que lhes permita estar fora da pobreza. O ensino médio completo é o mínimo — conclui Alicia.

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