domingo, 6 de julho de 2008

O Globo - Amazônia enfrenta devastação em áreas protegidas

Por Bernardo Mello Franco

Levantamento mostra que 22,3% dos desmatamentos ocorreram em terras indígenas ou reservas ambientais

BRASÍLIA. De cada cinco árvores derrubadas ano passado na Amazônia, uma tombou em reservas indígenas ou de proteção ambiental. Levantamento inédito do Ibama usando dados do Prodes, o sistema que mede por satélite a devastação anual da floresta, mostra que 22,3% das derrubadas ocorreram nas chamadas terras intocáveis, que deveriam estar a salvo das motosserras. Embora o governo tenha comemorado quedas consecutivas na destruição da Amazônia desde 2004, a participação das áreas protegidas no total devastado dobrou no mesmo período. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, admite que a situação é alarmante.

— É um número terrível. Isso mostra que as nossas reservas não estão bem protegidas, e que não basta criar uma área no papel para garantir a preservação da floresta — diz o ministro.

A devastação das reservas voltou a crescer ano passado, quando 2,3 mil quilômetros quadrados de áreas de reservas ambientais foram ao chão — um aumento de 6,4% em relação à área destruída em 2006. No mesmo período, o desmatamento caiu 20% em toda a Amazônia Legal. Se forem contabilizados os últimos quatro anos, o desmatamento da Amazônia caiu 59%, mas o recuo em áreas de proteção ambiental e terras indígenas não ultrapassou os 12%. O levantamento foi feito, a pedido do GLOBO, pelo Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama, que cruzou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) com o mapa das reservas.

A ausência do Estado é o principal passaporte de entrada de madeireiros e pecuaristas nas áreas de proteção ambiental.

Criado em agosto passado para administrar as reservas federais, o Instituto Chico Mendes sofre com problemas comuns a órgãos antigos do governo, como o déficit de pessoal. Segundo um relatório aprovado este mês pelo Tribunal de Contas da União, unidades inteiras, como a Floresta Nacional São Francisco, no Acre, não têm um único servidor para gerenciá-las.

“Tem-se como resultado uma capacidade ineficiente para a administração das unidades de conservação, frente aos problemas de invasão, garimpo, roubo de madeira e caça”, atesta o TCU.

Para remediar o problema, Minc promete contratar de forma emergencial, nas próximas semanas, 120 técnicos e gestores de unidades. Ele também planeja aproveitar o recrutamento temporário de 2.500 brigadistas de incêndio, autorizado pela Presidência, para reforçar o combate às queimadas no entorno das reservas.

Governo não sabe a quem punir


O déficit de fiscais é agravado pela falta de integração entre os órgãos federais e pelas falhas no mapeamento da região.

Em alguns casos, a sobreposição de terras provoca conflitos entre o Ibama, o Instituto Chico Mendes, a Funai e o Incra, que comanda os assentamentos da reforma agrária. A Floresta Nacional de Roraima, por exemplo, tem 95% de sua área dentro do território dos índios ianomâmis e os outros 5% divididos entre dois assentamentos da reforma agrária.

Cercado por mapas da selva, o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo, prepara uma grande operação para definir o uso de áreas verdes que envolvem a rodovia Transamazônica no sul do Amazonas, onde o desmatamento avança com velocidade.

Em outra frente, ele tenta identificar os ocupantes das áreas mais vulneráveis dos 36 municípios que mais devastam a floresta.

— Vamos fazer uma varredura para dar nomes aos bois. Hoje, o governo identifica o desmatamento e não sabe a quem punir — afirma Azevedo.

A metáfora bovina ganhou substância semana passada, quando o Ibama apreendeu 3.100 cabeças de gado em plena Estação Ecológica da Terra do Meio, no Pará. O governo estima que há outros 40 mil animais na reserva. Nas reservas indígenas, o desmatamento tem caído, mas a expansão da fronteira agrícola preocupa a Funai em Mato Grosso e Rondônia.

O maior foco de tensão entre índios e madeireiros está na reserva Kawahiva do Rio Pardo, em Colniza (MT), município que ocupa um dos primeiros lugares no ranking do desmatamento.

A coordenadora de Proteção de Terras Indígenas da Funai, Thaís Gonçalves, diz que o assédio do agronegócio é a principal ameaça à integridade das reservas: — A pressão é maior onde há expansão da fronteira agrícola.

Como a Funai não tem poder de polícia, estamos impedidos de prender ou autuar quem pratica crime ambiental nas reservas. Dependemos do apoio da Polícia Federal e do Ibama, mas a proteção das terras indígenas nem sempre é prioridade para esses órgãos.

Enquanto o governo não aperta a fiscalização, os madeireiros continuam a invadir as reservas. Só no mês passado, a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, perdeu 35 quilômetros quadrados de área florestada, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento da ONG Imazon.

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