Por ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Comando cobra do governo repasse de R$ 3,16 bi em royalties acumulados que cabem à Força Naval; novos campos elevarão recursos
Marinha também negocia dobrar número de navios para patrulha, mas nega relação com o fato de os EUA reativarem a Quarta Frota
Diante da descoberta de petróleo na camada pré-sal, nos campos de Tupi e Júpiter, na bacia de Santos, o comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, decidiu reivindicar da cúpula do governo o repasse da fatia dos royalties que cabe à Força Naval, acumulada em R$ 3,159 bilhões até 2007. A estimativa para este ano é de mais R$ 1,7 bilhão.
"Não paro de falar nisso. Virei o maior chato do mundo, mas minha intenção é convencer o governo de que a Marinha precisa estar preparada [para fiscalizar os novos megacampos]. Na questão dos royalties, não se está tirando de ninguém, é apenas uma questão de divisão", disse ele ontem.
Mais de 80% do petróleo brasileiro tem origem na área marítima, e a Marinha avalia em cerca de 15% a sua parte dos royalties, que acaba retida por contingenciamento.
Por isso, o almirante concordou que a Marinha poderia ficar "muito rica" com a distribuição dos royalties com a entrada em operação dos megacampos, mas na seguinte situação: sem poder usar o próprio dinheiro.
Independentemente dos royalties, o Orçamento inicial da Marinha para este ano era de R$ 2,6 bilhões, considerado "ideal para avançar no reaparelhamento da Força", como disse o comandante. Foi aprovado R$ 1,976 bilhão e liberado, até agora, R$ 1,521 bilhão.
Licitação de navios
A Marinha também decidiu negociar com a cúpula do governo a duplicação da frota de 27 navios-patrulha, a um custo estimado em R$ 2,16 bilhões.
Dois navios já estão em construção na Inace (Indústria Naval do Ceará), com entregas previstas para 2009 e 2010. Hoje será aberta a licitação para mais quatro, com 500 toneladas de peso cada um, a um custo R$ 80 milhões a unidade. A licitação é nacional. Dos atuais 27 navios-patrulha, 19 fazem a fiscalização marítima de cerca de 4,5 milhões de km2, e os demais se ocupam das bacias fluviais. A frota já é considerada pequena e ficará insuficiente com os novos campos.
Quarta Frota
O comandante, porém, descartou qualquer conexão entre a duplicação dos navios-patrulha com a decisão do governo dos Estados Unidos de reativar a Quarta Frota Naval, destinada ao Atlântico Sul e ao Caribe.
Essa frota foi criada em 1943, em um ambiente de antinazismo, e desativada sete anos depois. Ressurge agora em um contexto de crise internacional do petróleo, com o barril passando dos US$ 140, incertezas políticas no Oriente Médio e relações estremecidas entre Washington e a Venezuela de Hugo Chávez.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já declarou que o Brasil quer mais informações dos Estados Unidos sobre a Quarta Frota, até por causa das novas descobertas de petróleo. O comandante da Marinha, porém, dá uma versão tranqüilizadora.
"Foi uma medida administrativa", disse ele ontem, mais uma vez, reproduzindo a explicação norte-americana de que a Segunda Frota, em Norfolk, estava sobrecarregada e resolveu repassar parte das suas atribuições para a Quarta Frota, vinculada ao Comando Sul, que fica em Miami.
Águas territoriais
Uma terceira iniciativa da Marinha, de acordo com o almirante, é intensificar as negociações com a ONU (Organização das Nações Unidas) para ampliar o território marítimo brasileiro. O pedido original, de 2004, previa mais 950.000 km2, o que equivale a toda a área do Sul do país. As águas jurisdicionais -que a Marinha chama de "Amazônia Azul"- chegariam a 4,5 milhões de km2, ou 42% do território nacional.
A ONU respondeu favoravelmente, no ano passado, a uma parte da proposta, mas deixou de fora cerca de 200.000 km2 do pedido original. O Brasil vai apresentar uma nova proposta insistindo em obter mais esse acréscimo.
"Hoje, a área petrolífera que o Brasil explora é de cerca de 150.000 km2, mas nunca se sabe o dia de amanhã", disse o almirante, explicando que, se forem descobertos novos campos fora das águas jurisdicionais brasileiras, o país não terá controle sobre eles nem direito a usufruto.
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