Por Herton Escobar, de O Estado de S. Paulo
Estudo prevê quais espécies seriam afetadas por projetos de infra-estrutura na região, onde elas vivem
SÃO PAULO - Mais oito espécies de aves da Amazônia poderão entrar para a lista de ameaçadas de extinção até 2020, caso as obras de infra-estrutura planejadas pelo governo federal sejam de fato implementadas na região. Outras oito serão severamente afetadas, com redução de pelos menos 50% na sua área de ocorrência, segundo um estudo publicado na revista internacional Conservation Biology
O trabalho busca avaliar o impacto da construção de estradas, hidrovias, hidrelétricas, gasodutos, ferrovias e outras grandes obras de infra-estrutura sobre a biodiversidade de aves da Amazônia - o que serviria, também, como uma demonstração do impacto sobre a biodiversidade total da floresta.
As previsões são baseadas em um modelo de 2001, produzido pelo cientista William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, que prevê um desmatamento anual adicional na Amazônia de 2.690 km2 (cenário otimista) a 5.060 km2 (cenário pessimista) em decorrência das obras.
Desde 2001, governos e políticas mudaram, mas os projetos continuam basicamente os mesmos. "Nenhum foi descontinuado", diz a bióloga Mariana Vale, autora principal do estudo. "Os projetos vão e voltam, mas continuam na pauta do governo. Se forem implementados, o cenário continua válido." Ela explica que os cálculos são baseados em taxas históricas, associadas ao impacto de obras passadas. "Quando uma estrada é construída, sabemos que o desmatamento aumenta. O que tentamos mostrar no estudo é quem vai sair prejudicado nessa história", afirma Mariana.
As duas vítimas mais graves serão a choca-de-garganta-preta (Clytoctantes atrogularis) e o dançador-de-coroa-dourada (Lepidothrix vilasboasi), que se tornarão "criticamente em perigo" de extinção em 2020. Das outras seis espécies identificadas no estudo, uma seria classificada como "em perigo", duas como "vulneráveis" e três como "quase ameaçadas" - segundo as classificações de ameaça definidas pela União Mundial para a Natureza (IUCN). Nenhuma dessas aves está (por enquanto) na lista atual de espécies ameaçadas do Ibama.
Os cientistas ressaltam que as previsões são todas conservadoras, pois consideram apenas o cenário otimista de desmatamento e incluem apenas espécies com área de ocorrência (hábitat) igual ou menor a 500 mil km2, além de outras limitações metodológicas.
Surpresa
A maior surpresa para os pesquisadores não foi o número de espécies potencialmente ameaçadas, mas o local onde elas ocorrem. Metade são espécies de várzea, que vivem exclusivamente em regiões periodicamente alagadas da floresta - e não em qualquer várzea, mas em trechos específicos de certos rios.
Segundo o especialista Mario Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, os resultados refutam a idéia de que espécies da várzea seriam menos vulneráveis a alterações ambientais por viverem em regiões onde o regime dos rios já causa uma perturbação constante do hábitat. Além disso, mostram que há endemismo (restrição geográfica) de espécies na várzea - outro tema controverso entre os cientistas.
"Como as margens dos rios formam uma zona contínua, seria tentador imaginar que os bichos da várzea ocorrem em qualquer lugar, mas não é assim", explica Cohn-Haft, que assina o estudo ao lado de Mariana e outros dois pesquisadores dos Estados Unidos. Dentre as oito espécies que perderiam mais de 50% do hábitat, seis também são endêmicas de regiões de várzea.
Outra novidade do estudo é a identificação de ecorregiões de avifauna - áreas situadas entre rios, que limitam a dispersão geográfica de espécies, inclusive de aves. Mesmo sem um conhecimento completo da biodiversidade amazônica, os pesquisadores conseguiram calcular que qualquer espécie que seja endêmica de algumas dessas regiões estará automaticamente ameaçada em 2020 caso os projetos de infra-estrutura sejam colocados em prática.
Eles já sabem que muitas aves que vivem nessas ecorregiões e hoje são classificadas como "subespécies" serão reclassificadas como "espécies" nos próximos anos, o que poderá aumentar ainda mais a lista de ameaça.
"Torço para que nossas previsões não se concretizem", afirma Mariana, que fez o trabalho para seu doutorado na Universidade Duke, nos EUA. Ela agora é pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
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