quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Valor Econômico - Em Berlim, pesquisador avisa que Amazônia precisa de ajuda financeira


Por Daniela Chiaretti

Quer os brasileiros gostem ou não, a Amazônia está na boca do povo. Ontem à tarde, no centro de Berlim, 300 pesquisadores, ambientalistas e cientistas mesclados a outros alemães interessados no Brasil, debateram o que podem fazer para deter a derrubada da mata. Ouviram uma mensagem clara de Paulo Moutinho, coordenador de pesquisas do Ipam, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia: "É preciso criar algum instrumento econômico que remunere a preservação da floresta. Sem isso não será tão fácil salvá-la da destruição."

Foi na abertura do seminário "Clima e Mudanças na Amazônia", promovido pela Heinrich Böll Stiftung, uma fundação ligada ao movimento verde alemão. O evento, que vai até a sexta-feira, foi aberto com uma explicação sobre a dinâmica da destruição da floresta. Thomas Fatheuer, diretor da Fundação no Rio de Janeiro, mostrou à platéia o arco do desmatamento - as manchas de destruição que começam no leste do Pará, se esticam pelo norte do Mato Grosso, avançam por Rondônia e alcançam a porção oriental do Acre.

Fatheuer já chegou logo ao centro da ferida - o recente susto que o Brasil levou ao encarar a aceleração do desmatamento no final de 2007. "Foi uma bomba que estourou na mão do governo brasileiro e o bicho pegou." Mas se a reversão da tendência da queda na taxa de desmatamento é a má notícia, a boa, continuou Fatheuer, é que 80% da floresta está em pé, ou seja, 5,5 milhões de km2. "O que significa dez vezes o território da Alemanha ou pensar que toda a Europa Central caberia na Amazônia."

No outro slide, o público viu o que Fatheuer chamou de "uma espécie de sarampo ou catapora" - os focos de desmatamento que se alastram, devagar e vertiginosamente, por todos os estados da região, chegando ao Estado do Amazonas, até agora, o mais inacessível e preservado. Escutaram como a expansão da fronteira agrícola pressiona a floresta: primeiro chegam os madeireiros; depois, os pecuaristas; em seguida, quem planta soja. "Nos anos 80 se dizia que pensar na expansão da pecuária na Amazônia era uma loucura e o debate consistia em eliminar os subsídios agrícolas", lembrou. "Só que os subsídios terminaram e os pecuaristas ficaram", prosseguiu.

"É que o desmatamento segue uma lógica econômica que vale a pena. Desmatar é um investimento que traz retorno. Na área da Transamazônica já se pratica agricultura em solos férteis, com excelente retorno", acrescentou.

É este o ponto, assinalou Moutinho. Ele defende que a preservação da floresta seja atrelada a um mecanismo que permita a emissão de créditos de carbono para quem bancar a conta. São 47 bilhões de toneladas de carbono preservadas nas árvores, calculou. O Brasil, disse, tem 24 milhões de hectares de áreas protegidas, ou 6 bilhões de toneladas de carbono - "o equivalente a 3 vezes ou mais o que se espera reduzir no Protocolo de Kyoto." "É preciso colocar valor na floresta em pé. Não vejo outra saída."

Mas atrelar a redução das emissões dos gases de efeito-estufa (tarefa que os países desenvolvidos têm que fazer, desenvolvendo tecnologias limpas para se livrar da queima de combustíveis fósseis) à possibilidade de comprar créditos de carbono pelo desmatamento que for evitado na Amazônia pode ser um mecanismo perverso, alertou Christoph Bals, da ONG alemã Germanwatch. "O efeito dramático disso é que a reestruturação energética [nos países ricos com compromissos formais de redução pelo Protocolo de Kyoto] não funcionaria mais", opinou. E além disso, alguém prosseguiu, é preciso que os esforços sejam adicionais ao que se faria normalmente para conseguir créditos de carbono.

O pesquisador do Ipam reagiu dizendo que estes pontos fazem parte de uma discussão antiga, que vem desde 2000. "Ninguém acredita que o desmatamento parará por si, por isso qualquer esforço neste sentido será adicional", explicou. E para evitar que as nações desenvolvidas deixem de investir onde devem e se beneficiem da permanência da floresta em pé, Moutinho ponderou que é preciso ampliar o quanto os países devem cortar nas emissões e estipular um percentual para quanto poderia vir de desmatamento evitado.

O cientista Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Manaus, também defende que a redução de desmatamento das florestas deveria estar atrelada ao mercado de créditos de carbono - idéia que o governo brasileiro não vê com bons olhos. "É preciso fazer as duas coisas ao mesmo tempo: reduzir o desmatamento e reduzir as emissões da queima de combustíveis fósseis", disse. "O problema da Amazônia é que o desmatamento é um processo rápido. Com pouco dinheiro não se vai chegar lá."

Mas por quê, afinal, o destino da Amazônia está sendo debatido intensamente no centro de uma Berlim invernal? Não só porque a mudança climática é questão universal e a floresta é vítima e algoz no processo. "Nós, da Fundação, estamos à procura de soluções", disse Barbara Unmüssig, diretora da Heinrich Böell. "Queremos discutir com o público maneiras de proteger a biodiversidade e lutar contra as mudanças climáticas", prosseguiu. "Nós, consumidores que importamos carne bovina e soja, temos que ter consciência do nosso impacto sobre a floresta."

A jornalista viajou a Berlim a convite da Fundação Heinrich Böll

Crédito da imagem: Ruy Baron/Valor

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