quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

OESP - A lógica econômica do desmatamento

Paulo R. Haddad*

O valor econômico total de uma floresta tropical como a Amazônica se estima pelo seu valor de uso e pelo seu valor de não-uso. O valor de uso direto da floresta tropical inclui usos de madeira e não-madeira (frutas, castanhas, resinas, plantas genéticas e outros). O valor de uso indireto da floresta tropical corresponde ao conceito de funções ecológicas, tais como: os impactos do desmatamento sobre a proteção das bacias hidrográficas e sobre a produtividade dos sistemas produtivos agropecuários; sobre os complexos ciclos de nutrientes, importantes para o solo, a água e a atmosfera; sobre o efeito estufa e o ciclo de carbono; etc. O valor de opção está relacionado com o montante financeiro que os indivíduos e as organizações estariam dispostos a pagar para conservar os recursos ambientais para um uso futuro.

O valor de não-uso ou de existência da floresta tropical está relacionado com as avaliações monetárias dos seus ativos ambientais, sem vinculação com o seu uso corrente ou o seu uso opcional. É um componente importante do valor econômico total, particularmente em situações de incerteza quanto à extensão dos danos ou de ativos únicos (espécimes raros, por exemplo). Quando o desejo de pagar para preservar um ativo ambiental está vinculado aos benefícios que este ativo poderá trazer para os seus descendentes, temos o caso do valor de legado. Pretende-se, enfim, preservar a biodiversidade da floresta tropical para as futuras gerações, inclusive os seus valores culturais e históricos.

Não é difícil entender que um grande número de madeireiros, agricultores familiares, grandes produtores de grãos e de carnes veja, atualmente, a floresta amazônica apenas sob a ótica do seu valor de uso direto, como um megaalmoxarifado de recursos ambientais, onde vão pilhar madeiras de lei, fertilidade do solo pós-desmatamento, plantas medicinais, etc., para a sua subsistência ou para fazer bons negócios.

A obrigação social de sustentabilidade, como tem insistido o economista indiano Amartya Sen, não pode ser deixada inteiramente por conta do mercado, uma vez que o futuro não está adequadamente representado no mercado - pelo menos o futuro mais distante. O Estado deve servir como gestor dos interesses das futuras gerações, por meio de políticas públicas que utilizem mecanismos regulatórios ou de mercado, adaptando a estrutura de incentivos a fim de proteger o meio ambiente global e a base de recursos para as pessoas que ainda vão nascer.

Ocorre, porém, que, no caso brasileiro, há uma resistência ideológica ao uso de instrumentos econômicos nas políticas ambientais - nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) são mais de 130 desses instrumentos em ação -, e a estrutura regulatória tem se destacado pela má qualidade técnica e pelos riscos jurisdicionais. No caso específico da Amazônia, há fatores adicionais que dificultam o controle do desmatamento, particularmente quando melhoram os preços relativos da commodities primárias nos mercados globais e o desmatamento se acelera. Entre esses fatores destacam-se: a contradição entre leis e incentivos fiscais e financeiros dos distintos órgãos de governo; a debilidade institucional de órgãos ambientais dos três níveis de governo e sua completa falta de articulação, submetidos a fortes contingenciamentos de seus recursos orçamentários de custeio e de investimento; o fato do cumprimento da lei ser de fato muito oneroso, por causa de problemas de acessibilidade e de dispersão espacial das atividades econômicas; falta de vontade política, principalmente dos níveis locais, de aplicar as leis com rigor, uma vez que, para as comunidades locais, os recursos ambientais têm valor de uso e valor de troca, mesmo que mobilizados predatoriamente.

Na verdade, a questão maior das políticas públicas, que visam a controlar o desmatamento na Amazônia, é a imensa dificuldade que, internamente, o governo federal tem para gerar consenso sobre o conteúdo, a profundidade e a persistência dessas políticas. Enquanto oscila entre preservar, conservar e o manejo sustentável da floresta, de um lado, e questionar a validade técnica das informações sobre a intensidade do desmatamento, do outro, enfraquece-se o status político da gestão das ações ambientais na Amazônia e permite-se o avanço da ação antrópica predatória sobre os recursos da floresta. E não há sinais no horizonte de médio prazo de que essa situação vai melhorar. Ao contrário.

*Paulo R. Haddad, professor do Ibmec-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco

Um comentário:

Anônimo disse...

io kiko ninguém te perguntou sua vadia