quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

OESP - O Estado chega à Amazônia

O poder público é um ente sui generis: existe quando quer; quando não quer, os seus condutores discursam, mas nada fazem. Segunda-feira foi um desses dias em que a ação falou mais alto. Depois de uma longa temporada de palavras fortes, seguidas, porém, de medidas em geral pontuais ou, pior, efêmeras, o governo federal começou a enfrentar à unha, com uma ação sem precedentes, os principais responsáveis pelo desflorestamento da Amazônia. Estes não são os pecuaristas e sojicultores, embora eles também tenham culpa no cartório. São as madeireiras, serrarias e carvoarias, alvo - já não sem tempo - do primeiro contra-ataque articulado e de longo alcance para coibir o que o chefe da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, denomina “crime permanente”, que estanca quando a repressão entra em cena, episodicamente, para ressurgir “cada vez que o Estado sai”.

O governo resolveu entrar e não sair, pelo menos antes de um ano, em 36 municípios da região que lideraram o vergonhoso ranking do desmatamento na segunda metade do ano passado - período que engloba os meses nos quais, revertendo a tendência recente, a destruição aumentou. O foco inicial da louvável intervenção chamada “Operação Arco de Fogo”, a cargo de uma força-tarefa de 300 homens da Polícia Federal, Força Nacional de Segurança e Ibama (a se expandir, com o tempo), é o município paraense de Tailândia, de 67 mil habitantes, 235 quilômetros ao sul de Belém. Ali foram apreendidos na semana passada 15 mil metros cúbicos de madeira, sob violentos protestos da população. O lugar vive da cadeia produtiva, por assim dizer, do abate de árvores: nela se originam 70% dos recursos em circulação na cidade. “É uma atividade econômica”, lastima o ministro da Justiça, Tarso Genro, “que se comunica com a subsistência.”

Daí que um dos objetivos do programa, complementando a fiscalização, repressão e prevenção, é oferecer alternativas de sobrevivência às populações afetadas. Não será fácil, mas não há outra saída se se quiser cortar o mal pela raiz. Tailândia oferece o exemplo típico das dimensões da delinqüência estimulada pela crônica escassez ou mesmo ausência do poder de Estado. Segundo o Ibama, o estoque de madeira ilegal em poder das mais de 50 madeireiras locais é de 50 mil metros cúbicos - ou 3.500 caminhões carregados. Das 90 serrarias, só 21 têm licença para funcionar. Das inúmeras carvoarias, apenas 6 receberam alvará. Dias atrás, a Polícia Militar do Pará derrubou 140 fornos de uma única carvoaria clandestina. Estatísticas do gênero se repetem ad nauseam na maior parte da Amazônia Legal - a ironia da denominação dificilmente poderia ser maior - que compreende nove Estados.

Destes, Mato Grosso, Pará e Rondônia concentrarão as atenções do programa. Já no Acre, Amapá e Roraima, o desflorestamento é comparativamente muito menor. Seja onde for, no entanto, o combate eficaz ao desmatamento nas áreas de floresta densa não pode se limitar, evidentemente, ao imprescindível trabalho policial. São pelo menos dois os problemas de fundo, apontados pelo agrônomo e secretário estadual do Meio Ambiente, Xico Graziano, em artigo na edição de ontem deste jornal. Um é a demanda por lenho nobre, que alimenta a economia da tora. Nela, por sinal, a extração ilegal das melhores madeiras de lei ocorre antes da derrubada extensiva para a formação de pastagens. Só o Estado de São Paulo consome 15% dessas árvores de primeira linha. A construção civil e a movelaria deveriam usar produtos de floresta plantada, como pinus e eucalipto, exorta Graziano. “Ou se enfrenta a lógica dessa economia perversa ou nada restará da floresta amazônica.”

O segundo problema está no Estatuto da Terra, dos anos 1960, que confunde floresta com terra improdutiva. Para ficar a salvo do risco de desapropriação, o comprador de uma extensão de mata virgem trata de derrubar o que puder o quanto antes - a menos que, averbada a Reserva Legal na escritura, o Incra fique impedido de considerá-la improdutiva para fins de reforma agrária. “A corrente da devastação”, conclui o articulista, “somente se inverterá quando um pedaço da floresta, mantido em pé, valer mais do que tombado.” Até lá, poder público e mercado terão um longo e atribulado caminho a percorrer.

http://www.estado.com.br/editorias/2008/02/27/edi-1.93.5.20080227.1.1.xml

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