terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Envolverde - Ponte fantasma na Amazônia torra R$ 4 mi da União


Por Montezuma Cruz, da Agência Amazônia

Itapuã do Oeste, RO – Inservível há três anos, a ponte de concreto de 250 metros construída sobre o Rio Jamari transformou-se numa das mazelas amazônicas em Itapuã do Oeste, município rondoniense situado a 108 quilômetros de Porto Velho. A obra foi interrompida em setembro de 2004, quando a sua cabeceira desmoronou-se, em conseqüência da fragilidade dos pilares, erguidos num terreno movediço. A empreiteira SPA, a serviço da Centrais Elétricas do Norte Brasileiro S/A (Eletronorte), é a responsável pela obra.

A ponte custou pouco mais de R$ 4 milhões e agora, se quiser vê-la funcionando, o prefeito de Itapuã, Robson Oliveira (DEM) terá de investir pelo menos mais R$ 1 milhão, sob o crivo direto do Tribunal de Contas da União e da própria Eletronorte. Criado em 1992, o município recebe atualmente R$ 19 mil mensais de royalties (compensação por área explorada). O dinheiro é quase todo investido em saúde, educação e infra-estrutura básica. Até hoje, Itapuã é um dos mais atingidos pela inundação causada pela construção de barragem da Hidrelétrica de Samuel.

1,5 mil isolados

Diariamente, os agricultores atravessam o rio numa balsa oferecida pela Eletronorte, ligando a sede do município aos loteamentos do Incra: Azul (1, 2, 3 e 4), Travessão B-40 e linhas 105, 115 e 123, com saídas para Ariquemes e Porto Velho. A viagem demora 20 minutos. Com a ponte, a travessia de um lado a outro não demoraria mais que 30 segundos. Cerca de 1.500 pessoas vivem nessa parte da zona rural de Itapuã.

O bate-boca foi grande. Alguns culparam o prefeito por “derrubar” a ponte antes mesmo da sua inauguração. A alternativa da balsa surgiu por intercessão do deputado federal Lindomar Garçon (PV-RO) com a Eletronorte.

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Prefeito Robson Oliveira
“Na verdade, o gado é do banco”, brinca Silvano Ferreira, 68, cinco filhos e dois netos. Ele teme o futuro de sua atividade. “Preciso de pasto, mas desmatar é proibido”, reconhece. Há 10 anos no Azul 1, migrou três vezes: de Penápolis (SP) para Alto Paraná, região noroeste paranaense, e dali para Itapuã.

O motor da moto está falhando e os freqüentadores do boteco perto da balsa fazem chacota. Ele não se incomoda e empurra o veículo até a balsa. Na sua simplicidade, pouco se queixa. Atualmente entrega o leite ao laticínio a 45 centavos o litro e começa a plantar café. Precisou vender 27 cabeças de gado para quitar um empréstimo bancário. Ficou com 30.

Semblante calmo, Serafim Carneiro dos Santos, 74, seis filhos e 12 netos, também espera a balsa chegar. Perdeu a mulher, Guilhermina das Dores Severino, 60, que morreu de pneumonia no Hospital de Base na capital no dia 13 de janeiro. É um homem corajoso: deixou a pequena Capelinha das Graças (MG) em 1950, rumo a Paranavaí (PR). Trabalhou ainda em Maringá e Cascavel. Mudou-se para Rondônia em 1986. “Queria estudar meus filhos, por isso não vim antes. Estão todos aqui e um serviu o Exército”, conta.

Com o lote titulado no Azul 1, ele plantou arroz e capim. Antes, penou. “Não havia estrada. Virei caseiro e andei por aí tudo”, relata. Ficou dois anos em Jacy-Paraná, depois fez vassouras de cipó titica, obtendo com a venda mais que um salário mínimo por mês, no mercado municipal de Porto Velho. Aposentou-se há 14 anos.

Serafim possui 40 cabeças de gado de corte e leite, pasto, e um alqueire de café conilon. Negocia o produto em latas de 13 quilos: a R$ 7 cada lata. “O leite é pouco, 20 litros por dia”, observa.

Pela balsa passa a maior parte da produção agrícola: 924 toneladas (t) de mandioca, 823 t de arroz em casca, 291 t de café em coco, 209 t de banana e, em menor quantidade, milho, feijão e algodão. O rebanho bovino do município alcança 35 mil animais, conforme dados de 2001 do IBGE. Na margem direita da BR-364, rumo a Ariquemes, surgem as primeiras lavouras de soja.

O fim, na memória de dona Maria

ITAPUÃ DO OESTE, RO – A mineira Maria Nelcina de Jesus, 53 anos, guarda na memória o momento da queda da cabeceira da ponte: às 23h de 7 de setembro de 2004. A família ouviu o barulho e saiu de casa para ver o acidente. “Por que eles não terminam logo? Ia facilitar a vida do povo do lado de lá”, questiona. E aponta o outro lado do lago, pedindo “mais respeito aos sitiantes sofridos”.

Viúva de Durvalino Apolinário da Cunha, que morreu de hepatite no início de abril de 1995, deixando-lhe uma pensão de R$ 380, ela espera a vida melhorar na casa simples situada num terreno íngreme, a cem metros da ponte e a três quilômetros da cidade. Dos 11 filhos, oito vivem e lhe auxiliam no dia-a-dia entre uma pequena roça e o lar humilde, de madeira.

Aos nove anos de idade Maria deixou Mantena, sua cidade natal. Antes de chegar em Itapuã morou em Salto do Céu (MT), Sena Madureira (AC) e Jaru, onde chegou a ser proprietária de 1,5 hectare de terras. “Ali eu criava porco e galinha”, conta.

Com saudades dos parentes, vê o tempo passar e não tem idéia de quando irá revê-los. Analfabeta, não escreve, nem recebe cartas. Não tem dinheiro, nem bens. Não viaja mais. Três irmãs ainda moram em Mantena e quatro irmãos são sitiantes no Acre. “Eles criam gado, se deram bem”, diz.

Maria olha para a filha Marivalda, 18 anos, aluna da 3ª série do Ensino Médio e explica que a caçula Marinalda, 9, aluna da 3ª série do Primário, é tia da neta Alessandra, 11, aluna da 4ª série, filha de Elias, 30, o filho mais velho. À espera de reconhecimento, prende-se ao passado, que já foi bem melhor.

(Envolverde/Agência Amazônia)

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