segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Folha - Renda básica na política

Por MARINA SILVA

HÁ UM QUASE consenso de que a política brasileira precisa de mudanças profundas. São várias as receitas, desde implosão total até uma reforma empacada há tanto tempo que o problema parece estar menos nas regras e mais na cultura política, obcecada pelo poder como objetivo em si.

Nosso sistema político se descola perigosamente da função de fazer a mediação entre ideais e a vida real. Não consegue enxergar além dos conflitos intra e interpartidários, das artimanhas eleitorais, das disputas irracionais e da gana de impor derrotas ao adversário, ao custo, às vezes, do próprio interesse nacional.
Há saídas, e senti isso na negociação das comissões no Senado, com parlamentares de vários partidos dispostos, acima de suas demandas, a preservar pilares democráticos, tais como os direitos da minoria.

Dois partidos, PT e PSDB, têm responsabilidades específicas para aprofundar esse caminho. Desde o final do regime militar, têm sido as forças mais estáveis no comando do país e, talvez até por isso, identificaram-se com projetos nacionais, mais do que os outros grandes partidos.
Por vários motivos, de PT e PSDB se esperariam limites à guerra política, mas há exemplos, de parte a parte, de comportamento contrário. Erram quando se recusam ao diálogo sistemático em questões cruciais e são vítimas da própria armadilha: no governo ou na oposição, têm que se aliar indiscriminadamente.

Se mantivessem pontos de contato, dificilmente se tornariam reféns de maiorias indefinidas e, muitas vezes, inconsequentes. A permanente possibilidade de aliança entre ambos equilibraria os acordos políticos em geral, atraindo quadros responsáveis do PMDB, do DEM, do PV, do PDT, do PSB -de todos, enfim- e reduzindo a margem de casuísmos.

Unidos pelo resgate da política e por meio de um alinhamento ético, PT e PSDB contribuiriam para catalisar o que há de melhor em todos os partidos, em benefício de si mesmos, dos demais e, principalmente, do país.

Parafraseando o senador Suplicy, seria uma espécie de renda básica da governabilidade, assegurando o interesse nacional acima de agendas partidárias e disputas de data marcada. E isso é possível. Arriscado é nos enredarmos no passado, fazendo de conta que estamos com os olhos no futuro. O futuro exige, no presente, política de futuro: madura, menos mesquinha, apta a enfrentar tempos de instabilidade e vulnerabilidade.

Se PT e PSDB serão duas grandes forças nas eleições de 2010, que comecem a definir agora os seus próprios termos de referência para que elas aconteçam, de fato, em torno de projetos para o Brasil.

MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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