Por Washington Novaes
Barack Obama desperta milhares de indagações no mundo todo - sobre o que fará na crise financeira com o desemprego, o protecionismo, com as guerras no Oriente Médio, com as relações com a China e a Rússia, com a América Latina e assim por diante. Uma das menos frequentes - estranho que pareça - é sobre a África: qual será sua postura diante do continente do qual descende (o pai é queniano e um de seus meios-irmãos foi detido lá há poucos dias por porte de maconha) e que é o mais pobre de todos, permanentemente convulsionado por guerras, massacres, pragas e outros dramas?
Não há resposta ainda. Nem poderia haver, tantas são as interrogações nessa área do mundo onde os interesses dos países colonizadores retalharam, separaram, dividiram e puseram em confronto milhares de etnias, como demonstrou magistralmente o jornalista polonês Ryszard Kapuscinski em seus livros Ébano - minha vida na África e A guerra do futebol (ambos editados pela Companhia das Letras, o último no final de 2008). Kapuscinski, que desde a década de 60 relatava acontecimentos na África, dizia que não se interessava em descrever a política dos dominadores e dos que os seguiam. Correndo risco de morrer a toda hora, embrenhava-se pelo meio das populações mais pobres, metia-se nas situações mais indescritíveis e produzia relatos maravilhosos, como os desse último livro, em que se destaca também a pouco conhecida "guerra do futebol" entre Honduras e El Salvador.
Pena que Kapuscinski não esteja mais aqui (morreu em 2007) para mostrar a Obama o que de fato ocorre na África, a começar pelo conflito em Darfur, no Sudão, uma guerra étnica de extermínio em que quase metade dos habitantes da região de Darfur vive em "campos de deslocados", enquanto outros 2 milhões estão à beira da morte por causa da destruição de suas lavouras e 300 mil já morreram.
Em muitos dos conflitos, uma das razões mais fortes é a disputa por recursos naturais, de que grandes contingentes foram afastados (e tentam recuperar) em benefício de outras etnias mais favoráveis aos colonizadores. É o caso, por exemplo, dos intermináveis conflitos entre Ruanda, Uganda, Burundi e República Democrática do Congo, em que já morreram mais de 4 milhões de pessoas (que nem notícia merecem nos jornais). Ainda no final de dezembro, um exército ruandês matou 189 pessoas no Congo, "em represália" à ação conjunta de outros países em suas terras. Só em 1994, 1 milhão de pessoas da etnia tutsi (em guerra com os hutus) morreram em Ruanda. Também em dezembro um Tribunal Criminal Internacional da ONU condenou à prisão perpétua um coronel ruandês que instigou o Exército e as milícias hutus a matarem 800 mil tutsis em 100 dias.
É uma região em que países europeus têm altos interesses, principalmente na mineração. Na Guiné, também no último mês do ano, o Exército depôs o primeiro-ministro em meio a conflitos que envolvem a produção de bauxita (o país é o maior produtor no mundo). Ao mesmo tempo, renunciava o presidente da Somália, onde há 1 milhão de refugiados fora de suas aldeias. Na Nigéria, semanas antes, uma rebelião popular deixara 300 mortos numa disputa entre várias etnias por áreas férteis. Desde 1999 já são mais de 10 mil mortes nesses conflitos.
Mais ao Sul, no Zimbábue (antiga Rodésia) os dramas são neste momento de outra natureza. Seja pela retomada do território, seja por outros conflitos internos, o país vive mergulhado em situações extremas. Agora mesmo acaba de cortar 13 zeros em sua moeda (1 trilhão de dólares zimbabuenses valia 1 dólar norte-americano), na tentativa de ajudar a conter uma inflação de 231.000.000%. O dinheiro local vale tão pouco que as pessoas, no dia de receber o salário, têm de levar bolsas enormes para carregar as cédulas. E isso num país que está enfrentando uma epidemia de cólera que já matou 3 mil pessoas e infectou 55 mil.
Há muitos outros dramas. Na Somália, 1 em 10 mulheres morre no parto e 20% das crianças não passam dos cinco anos de idade. Secas e preços dos alimentos respondem pela maior parte do problema. Na Libéria são as lagartas que estão neste momento destruindo colheitas, infectando a água e invadindo casas e edifícios. Segundo a Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, o ataque pode chegar à Guiné, Serra Leoa e Costa do Marfim. E já destruiu 30 mil hectares de plantações no Quênia.
Na Bacia do Nilo a ameaça de graves conflitos está rondando a região, por causa da disputa pelas águas do Rio Nilo entre Egito, Sudão e oito países a montante, que querem usar mais o recurso que tende a diminuir, pois a África é o país mais afetado por mudanças climáticas. Da mesma forma, é o continente que mais tem contribuído para aumentar o número de pessoas que passam fome no mundo. Só em 2008 foram mais 119 milhões. E o total dos miseráveis da Terra chega agora a mais de 1 bilhão - sem falar que quase 3 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de US$ 2 por dia (menos de R$ 5 por dia). O Brasil mesmo contribui para esse contingente com 36 milhões de pessoas (Ipea/IBGE).
Há mais de 10 anos que os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento vêm dizendo que as vendas de armamentos constituem o maior negócio do mundo, seguido pelo tráfico de drogas. Sem falar nas operações militares. Só naquelas em que estão envolvidos no Iraque e no Afeganistão, os Estados Unidos já investiram US$ 904 bilhões desde 2001. E, segundo o Centro Avançado de Estudos Estratégicos, até 2018 a soma pode chegar a US$ 1,7 trilhão.
Mas quem conseguirá mudar esse dinheiro de lugar, inclusive na África? Que efeitos poderá ter em todo esse quadro a atual crise financeira? São algumas das questões postas diante de Obama, que certamente terá na memória as imagens do país de seu pai e de seus irmãos.
Washington Novaes é jornalista
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