quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

OESP - Aniversário do Código Florestal Brasileiro

Opinião
Por Ciro Siqueira

No dia 23 de janeiro de 1934, há exatos 75 anos, foi instituído o primeiro Código Florestal Brasileiro. Há quase um século, o Brasil instituía as raízes do que hoje é tido como uma das mais modernas leis ambientais do mundo.

A pena de Getúlio Vargas ratificou os trabalhos de uma comissão parlamentar criada em 1920 que dera roupagem legal às ideias de um botânico suíço chamado Albert Löefgren, o mesmo que hoje dá nome ao Horto Florestal de São Paulo. Löefgren foi o primeiro a intuir que, não tendo o Estado condição de controlar a passagem de terras do poder público ao domínio privado, a única maneira de proteger florestas era fazê-lo em terras privadas. Assim o botânico suíço imaginou um mundo onde cada propriedade privada tivesse um pequeno bosque em seus limites.

Essa ideia foi encampada pela comissão parlamentar encarregada de elaborar nosso código de leis florestais. Seu relator chamava-se Luciano Pereira da Silva. O relatório da comissão permaneceu numa gaveta enquanto as oligarquias rurais e o liberalismo dominaram os cenários político e econômico.

Quando a crise de 1929 e o cenário político nacional precipitaram a revolução de 1930, perderam espaço tanto as oligarquias rurais quanto o liberalismo econômico. No bojo das reformas nacional-estatizantes e do dirigismo econômico de Vargas, o Código Florestal foi rebuscado. Junto com um Código de Águas e um Código de Minas, Vargas assinou o Código Florestal, tornando não-privadas todas as fontes de minério e de energia que se podiam vislumbrar à época. Cabe lembrar que carvão e lenha eram a base da nossa matriz energética.

Mas eis que logo nos anos 30 se desenvolveram alternativas energéticas ao carvão e à lenha. São construídas as primeiras hidrelétricas e as primeiras empresas de transmissão de energia entram em operação. Imediatamente à promulgação, por um regime não democrático, nosso primeiro código de leis florestais caiu no ostracismo.

Nos anos 60, quase três décadas após sua instituição, durante o governo Jânio Quadros, foi criada uma comissão para reformar o Código Florestal. Sua coordenação foi entregue ao jurista Osny Duarte Pereira - anos antes, Osny havia escrito um vasto compêndio sobre o Código Florestal de 1934. A comissão coordenada por Osny escreveu um novo projeto de lei que, assim como o primeiro, permaneceu engavetado nos seus primeiros anos.

Em 1964, novamente sob um regime de exceção, o projeto de lei foi desengavetado. No intento de integrar para não entregar a Amazônia, o general Castelo Branco assinou o Novo Código Florestal Brasileiro, pela primeira vez instituindo a Reserva Legal. Pela nova lei, toda propriedade privada na Amazônia era obrigada a manter com vegetação original 50% da sua área. Um determinado número de colonos poderia, então, ocupar de facto uma determinada área enquanto ocuparia de direito o dobro dela. O governo militar integraria assim o dobro da área amazônica com o mesmo número de pessoas.

É improvável que Vargas e Castelo fossem ambientalistas à frente de seu tempo. É mais razoável supor que Vargas tentou estatizar as fontes de energia disponíveis e Castelo tentou tornar mais eficiente a ocupação da Amazônia. Embora as equipes técnicas que prepararam os dois projetos de Código Florestal tivessem de fato anseios conservacionistas, esses nunca foram os motivadores políticos da institucionalização da lei.

Em 1995, logo após a Eco 92, quando o Código Florestal já tinha 61 anos, o Brasil apresentou ao mundo um recorde histórico de desmatamento na Amazônia. Diante de pressão internacional, em 1996 o presidente Fernando Henrique Cardoso, via medida provisória, elevou os porcentuais da Reserva Legal na Amazônia para 80%. Depois dessa medida, todas as propriedades privadas na Amazônia ficaram obrigadas a manter 80% de sua área com vegetação natural, inclusive aquelas que não tinham mais vegetação natural.

Desde 1996 ruralistas e ambientalistas travam uma guerra de informação, contrainformação e desinformação pelos porcentuais da Reserva Legal na Amazônia. Ainda ontem ministros de Estado divergiam publicamente sobre o assunto. Mas será mesmo o tamanho da Reserva Legal o ponto a ser discutido?

No nascedouro, as reservas privadas tinham o objetivo de contornar a incapacidade pública de gerir suas próprias florestas. A solução foi passar à esfera privada a responsabilidade pelo provimento dos serviços ambientais das florestas. Uma vez que o Estado desenvolveu capacidade de instituir reservas públicas e unidades de conservação, faz algum sentido impor o ônus da conservação de florestas ao ente privado?

Quem deve prover à sociedade os serviços ambientais gerados pelas florestas, o Estado ou o privado? Esse é o ponto em torno do qual deveriam girar as discussões.

Fomos doutrinados a ver no Código Florestal uma lei de vanguarda e nem mais importa observar que o decreto de 1934, sua reformulação de 1965 e a medida provisória de 1996 nem sequer foram legitimados pelo Legislativo. Tampouco faz diferença observar que, aos 75 anos de idade, nosso Código Florestal é ineficaz.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, nos últimos 20 anos foram desmatados em média 17,5 mil km² de floresta amazônica por ano. Ou seja, em cada um dos últimos 20 aniversários do Código Florestal Brasileiro o mundo perdeu uma área de floresta amazônica equivalente a 11 mil parques do Ibirapuera.

Desde a instituição do Código Florestal Brasileiro, em 23 de janeiro de 1934, nos últimos 75 anos o Brasil perdeu uma grande fração da mata atlântica. Praticamente tudo o que perdemos do cerrado no Centro-Oeste perdemos nos últimos 75 anos e tudo o que perdemos de floresta na Amazônia perdemos nos últimos 75 anos. Há o que comemorar?

*Ciro Siqueira é engenheiro agrônomo

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