segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Envolverde - Fórum Social Mundial: Povos sem Estado acentuam a diversidade
Por Mario Osava, da IPS
Belém, 02/02/2009 – A diversidade dos povos se destacou no Fórum Social Mundial que terminou domingo em Belém do Pará. Entre os 133 mil participantes de 142 países se sobressaíram 1.900 indígenas de 190 etnias e 1.400 quilombolas (afro-descendentes de comunidades tradicionais) com suas tendas, discussões e celebrações próprias. Mas, também houve, pela primeira vez, uma tenda de Direitos Coletivos de Povos e Nações sem Estado, que inaugurou no contexto do FSM a reflexão sobre uma “democracia radical” que contemple a autodeterminação dos povos, segundo Arnau Flores, jornalista catalão responsável pela comunicação do Centro Internacional Escarre para as Minorias Étnicas e Nacionais (Ciemen).
Um mapa com 32 desses povos sem Estado consta do programa da tenda, mas “há muito mais”, disse Flores à IPS. Alguns são conhecidos, como os palestinos, os bascos, os ciganos, os curdos, os tibetanos e os sahaarauis. Outros são pouco vistos sobe essa ótica, como os mapuches sul-americanos e os aborígines australianos. Mais de 20 organizações desses povos participaram do espaço organizado pelo Ciemen, onde foram discutidas desde estratégias de emancipação e construção de institucionalidade própria até questões atuais vinculadas ao tema central do FSM, com a crise da civilização e a globalização.
Uma rede dos “sem Estado” começou a ser construída neste Fórum Social Mundial, apontando para uma nova descolonização, contra a “idéia do Estado-nação imperialista” como única institucionalidade possível no mundo, anunciou Quim Arrufat, cientista político também catalão, encarregado das relações internacionais do Ciemen. O Centro, com sede em Barcelona, capital da região espanhola autônoma da Catalunha, uma das nações sem Estado, não defende, por exemplo, um Estado palestino que está no centro do sangrento conflito com Israel, mas o direito desse povo decidir sobre o assunto, explicou Arrufat à IPS.
O Estado multiétnico estabelecido nas novas constituições da Bolívia e do Equador é um avanço, mas “o melhor não é o caminho para outros” povos que necessitam, por exemplo, voltar à sua terra, como os saharauis, acrescentou Arrufat. Na razão de tudo está o “contexto jurídico único”, exportado pela Europa para todo o mundo, que determina inclusive as instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas, constituída exclusivamente por Estados nacionais, o que “não é representativo nem lógico”, afirmou. Uma das conseqüências são as guerras e os conflitos, mas, trata-se de um tema novo que há 20 anos estava “proibido” e que os caminhos “não são nada fáceis”, admitiu Arrufat.
O FSM abriu a possibilidade de reunir organizações de diferentes regiões para debater o tema e impulsionar um movimento internacional pelos “direitos coletivos de povos” com identidade própria reprimida. O sistema jurídico dos Estados nacionais não reconhece esses direitos, concentrando-se nos indivíduos, disse Flores. A Espanha concede certa autonomia, mas a Catalunha não pode fazer referendos próprios, que são exclusivamente nacionais, e no País Basco, outra comunidade autônoma espanhola, qualquer partido independente é “ilegalizado e acusado de terrorista”, asseverou.
Paradoxalmente, o berço do Estado-nação, a Europa enfrenta numerosos conflitos e tensões pela existência de muitos “sem Estado”, como as várias regiões espanholas, Córcega, Bretanha, Escócia e Gales. A União Européia gerou esperanças entre povos marginalizados de que a integração abriria as portas aos direitos coletivos, mas as ilusões se frustraram. O bloco de 27 países se constrói sobre idéias estatais, impedindo aceitar o multilinguismo, por exemplo. Assim, a língua que falam os sete milhões de catalões não é oficial nem na Espanha nem na Europa, mas se reconhece o idioma de Malta, com 400 mil habitantes.
A assembléia sobre direitos coletivos decidiu “potencializar a participação no FSM”, promovendo o tema que antes era tratado praticamente apenas em relação aos indígenas, anunciou Flores. A autodeterminação e a soberania, que constituem um dos objetivos do Fórum Social Mundial, são o eixo da discussão. A diversidade de grupos com identidades próprias ganhou visibilidade também em outra tenda do FSM em Belém, a de Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais, um projeto da Universidade Federal do Amazonas e da Associação de Universidades Amazônicas que começou circunscrito a essa região, mas ampliou-se a todo o Brasil.
Além dos conhecidos povos indígenas e dos remanescentes de quilombos já foram elaborados dezenas de fascículos pelas próprias comunidades e por movimentos sociais, incrementando o autoconhecimento e as informações para iniciativas próprias e políticas publicas. Esses estudos destacam uma surpreendente diversidade de comunidades com vidas, costumes e organização especificas, que compreendem povos ribeirinhos amazônicos, pescadores de grandes rios, os diferentes extratores de produtos amazônicos como a borracha natural (seringueiros) e os “faxinais”, camponeses do sul que coletivizam suas terras apenas para a pecuária e têm técnicas próprias de manejo da natureza.
A diversidade dos participantes no FSM de Belém era visível na Universidade Federal Rural da Amazônia, onde se concentraram os acampamentos da juventude e dos movimentos sociais. As multidões que ocuparam esse campus nos seis dias do Fórum, visivelmente mais pobres, contrastavam com as que freqüentaram as atividades das organizações não-governamentais na vizinha Universidade Federal do Pará. A ampla participação de povos amazônicos, em um momento de crise da globalização neoliberal, oferece “novas inspirações que renovam a busca de outro mundo”, afirmou Cândido Grzybowski, um dos fundadores e organizadores do FSM, como diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Segundo os dados que divulgou em entrevista ao final do encontro, dos 133 mil participantes em Belém, 15 mil estiveram no Acampamento da Juventude e três mil são crianças e adolescentes. Uma garantia de continuidade do FSM, afirmou. No total, “quase 150 mil pessoas estiveram envolvidas” no encontro da sociedade civil global, incluindo os 4.500 comunicadores credenciados, dos quais dois mil eram jornalistas, os mil artistas que se apresentaram em atos culturais e mais de 10 mil que trabalharam na organização, alimentação e em outros serviços. A segurança contou com sete mil policiais e a assistência medica com 900 profissionais, segundo Ana Claudia Cardoso, representantes do governo do Estado do Pará.
A próxima edição do Fórum Social Mundial, em 2011, será na África, informou o senegalês Taoufik Bem Abdulah, do Fórum Social Africano. Mas é uma decisão que ainda não foi adotada pelo Conselho Internacional do FSM, que discutirá a questão hoje e amanhã. Há propostas para sua realização nos Estados Unidos e para que não seja aplicado o caráter bienal do fórum, promovendo novo encontro mundial em 2010, para analisar e responder à nova conjuntura criada pela crise financeira global. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)
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