Por Herton Escobar
Estudo de campo na Amazônia mostra que mais árvores morreram na estiagem de 2005; emissão de CO2 foi igual à de combustíveis nos EUA
Seca de 2005, que fez desaparecer rios inteiros na Amazônia, também matou milhões de árvores de sede, desencadeando uma liberação de bilhões de toneladas de gás carbônico para a atmosfera, segundo um estudo publicado hoje na revista Science. Com isso, a floresta inverteu momentaneamente seu papel: em vez de absorver, passou a emitir dióxido de carbono (CO2), o principal gás envolvido no aquecimento global. Se secas como essa tornarem-se mais frequentes no futuro - como preveem vários modelos climáticos -, a Amazônia poderá se transformar em uma fonte permanente de emissão, alertam os cientistas.
A seca de 2005 foi uma das mais intensas dos últimos cem anos na Amazônia, causada por um aquecimento das águas do Atlântico Norte. O estudo, que envolveu cientistas de 41 instituições em 15 países (incluindo vários brasileiros), é o primeiro a calcular o impacto da estiagem sobre o balanço de carbono da floresta, por meio de medições diretas no campo. Os pesquisadores mediram a variação no crescimento da vegetação e no número de árvores mortas em 55 pontos da Amazônia, comparado à média dos últimos 25 anos. Descobriram que, por causa da seca, mais árvores morreram e aquelas que ficaram vivas cresceram mais devagar.
O impacto disso tudo - a soma do carbono que deixou de ser absorvido pelo crescimento reduzido, mais o carbono liberado pela decomposição das árvores mortas - será um acréscimo de aproximadamente 5,5 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, segundo o autor principal do trabalho, Oliver Phillips. É quase o mesmo que os Estados Unidos emitiram pela queima de combustíveis fósseis naquele ano (5,75 bilhões de toneladas).
Até 2005, na média dos 25 anos anteriores - desde que medições periódicas começaram a ser feitas pela Rede Amazônica de Inventários Florestais (Rainfor), responsável pelo estudo -, a Amazônia funcionou como um sorvedouro de carbono, retirando da atmosfera cerca de 1,65 bilhão de toneladas de CO2 por ano. Os cientistas medem isso via acréscimo de biomassa, o que significa que a floresta "engordou" durante esse período, ao ritmo de quase uma tonelada por hectare/ano. Mas a seca funcionou como um ano de regime forçado, em que a floresta perdeu mais "calorias" (moléculas de carbono) do que consumiu.
A área mais afetada foi o sudoeste da Amazônia, na região do Acre. O principal problema foi a mortalidade elevada de árvores. Ainda assim, alguém que caminhasse pelas florestas dificilmente notaria a diferença.
"Visualmente, o impacto é muito sutil", disse Phillips ao Estado. "Por causa do tamanho da Amazônia, porém, mesmo um impacto pequeno na vegetação pode ter um impacto grande no balanço de carbono", completou o cientista, da Universidade de Leeds, Inglaterra. O carbono é ingrediente básico da matéria orgânica. Quando a floresta ganha biomassa (engorda), ela acumula carbono. Quando perde biomassa (emagrece), perde carbono.
Os cientistas ressaltam que a emissão das árvores mortas não é instantânea. "Esse carbono não vai direto para a atmosfera", explica o biólogo brasileiro Luiz Aragão, da Universidade de Oxford. "A árvore morre, entra em decomposição e o carbono é liberado ao longo do tempo." Segundo ele, poderá levar até uma década para que o impacto total da seca seja "sentido" na atmosfera.
Ainda é possível que a floresta recupere esse carbono "perdido", se houver um acréscimo de biomassa nos próximos anos. Mas isso não altera a mensagem principal do estudo: de que condições de seca podem inverter o papel da floresta no balanço de carbono. Segundo os cientistas, 2005 foi uma amostra de como a Amazônia poderá se comportar num clima mais seco e quente no futuro.
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