quarta-feira, 18 de março de 2009

OESP - Mais motivos para pôr as barbas de molho

Por Marcos Sá Corrêa*

Num "belo dia" da primavera de 1844, o escritor Henry David Thoreau, "padroeiro do ambientalismo americano", explorando as margens do Rio Concord, ainda embrulhadas na floresta primária que cobria Massachusetts, botou fogo no mato sem querer, na hora de esquentar a sopa. Queimou 1 km² de árvores nativas. Mais do que qualquer comerciante conseguia na época, só com ganância. Com essa provocação, o economista Edward Glaeser, de Harvard, abre um artigo recente para desancar as miragens do culto à natureza. E pergunta o que seria melhor para conservar o planeta: gente vivendo em arranha-céus de Nova York ou em casas de campo, cercadas de verde?

A realidade da típica família nova-iorquina vence a fantasia pastoral por sete toneladas anuais de CO2, segundo Glaeser. Ele se baseou em contas que fez com Matthew Khan, da Universidade da Califórnia. Em seu placar entraram diferenças de hábitos em matéria de transporte, consumo de energia e calefação. Mas não as virtudes dos prédios de última geração, capazes de reciclar a água, processar seu esgoto ou tirar do lixo toda a sua eletricidade.

Ou seja, "viver no meio do concreto é na verdade muito verde e no meio das árvores, não". Mas ele chegou a essa conclusão sem ouvir o biólogo Mike Hansell, "professor emérito" de Arquitetura Animal na Universidade de Glasgow. Hansell inventou a cadeira que ocupa em 1968, com palestras sobre o assunto, para poupar a plateia da massa de informações que trazia da pós-graduação em moscas aquáticas. A escolha do tema deu tão certo que, quase 30 anos depois, ele se viu pela primeira vez diante de 300 engenheiros, reunidos num congresso em Londres. Disse-lhes "que não é preciso ter cérebro para construir". E foi aplaudido, embora se referisse à Diffugia coronata, ameba unicelular que habita uma urna portátil de milésimos de milímetro, construída com requintes de ceramista artesanal.

A curiosidade de Hansell não tem medida. Vai do ninho de Arachnothera longistrosa, pássaro asiático que faz abrigos pênseis, costurados nas folhas com fios de seda colhidos em teias, ao formigueiro de saúva que, inundado na Argentina com 9 mil litros de água e toneladas de cimento, trouxe à luz uma rede quilométrica de galerias e câmeras subterrâneas, estruturadas como megalópole para 11 milhões de habitantes.

Built by Animals (Construído por Animais, o único livro que escreveu para leigos) tem um capítulo sobre as mudanças ambientais produzidas por bichos. Nem todas têm de ser buscadas no microscópio ou debaixo da terra. O wombat, um marsupial, deixou no deserto australiano marcas de devastação fotografadas por câmeras de satélite. Na África do Sul há túneis escavados há 240 milhões de anos. Em Botsuana, veem-se de avião as rugas desenhadas na paisagem por cupins. Hansell quer mostrar que nem a tal da pegada ecológica é exclusividade humana. É mais um motivo para botarmos as barbas de molho.

* É jornalista e editor do site

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