segunda-feira, 23 de março de 2009

Folha - Faça o que eu digo

Por MARINA SILVA

NO ENCONTRO com Barack Obama, o presidente Lula pediu ao presidente americano pronta adesão à Convenção da Biodiversidade, renegada por George Bush. Oportuna cobrança, pois em 2010 entra em vigor o sistema de pagamento pelo uso da biodiversidade, que deverá gerar recursos importantes para conservação em países megadiversos, como o Brasil.

O problema é que, na maioria das vezes, temos posição externa ousada e correta. Internamente, contudo, fazemos mal a lição de casa. O Brasil ratificou a Convenção em 1994 e até agora não temos uma Lei para disciplinar o acesso aos recursos genéticos. Em 1995 apresentei ao Senado projeto com essa finalidade. Não foi votado até hoje.

Em 2003, o Ministério do Meio Ambiente articulou para que o governo apresentasse projeto atualizado e submetido a negociação exaustiva com todos os setores interessados.

Após cinco anos de complexa construção de consensos, sob a coordenação da Casa Civil, chegamos a um texto. Quando de minha saída do governo, faltavam apenas consultas a comunidades tradicionais e agricultores familiares para enviá-lo ao Congresso Nacional no segundo semestre de 2008.

Inesperadamente, o MMA interrompeu o processo para elaborar outra proposta, atendendo a demandas do Ministério da Agricultura, entre elas a de criar sistema paralelo de gestão dos recursos genéticos da agrobiodiversidade. Pretende-se retalhar artificialmente a gestão da biodiversidade para acomodar pressões diversas.
Continua-se a bater na tecla de que uma justa partilha de benefícios, para remunerar os conhecimentos tradicionais associados ao uso dos recursos naturais, limitará a pesquisa e os usos comerciais. Mas, sem regras, esses conhecimentos poderão ser apropriados por empresas a troco de nada ou quase nada.

Uma leitura otimista do recado do presidente Lula a Obama é a de que o governo resolveu, finalmente, pegar à unha a criação do regime nacional de acesso à biodiversidade, entendendo que ratificar a Convenção não é só apor uma assinatura. Implica replicar aqui as diretrizes do acordo internacional, numa política una, com força para alinhar ações públicas e privadas. Se essa leitura for a correta, em breve deverá chegar ao Congresso o texto do projeto do Executivo, sem retrocessos e condizente com o espírito da Convenção.

Se, ao contrário, a pauta foi sugerida ao presidente apenas para rechear seu discurso e projetar mais uma vez o óbvio cacife ambiental brasileiro, em prol dos biocombustíveis, é perda de tempo e de algo mais. De credibilidade, por exemplo.

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