quinta-feira, 19 de março de 2009

Envolverde - Ministro Marco Aurélio vota pela anulação da demarcação da Raposa Serra do Sol

Por Marco Antônio Soalheiro, da Agência Brasil

Supremo continua a julgar hoje ação contra a demarcação.

Depois de pouco mais de seis horas de leitura de um extenso voto de 120 páginas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello pediu ontem (18/03) a anulação da demarcação em faixa contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, homologada em abril de 2005 pelo governo federal. Ele havia pedido vista, em dezembro de 2008, da ação ajuizada por senadores do estado contra a demarcação e alegou que partes fundamentais interessadas na regularização da área foram excluídas no processo que resultou no reconhecimento da reserva.

O placar no momento é de oitos votos a um pela demarcação contínua, já que todos os ministros que se manifestaram anteriormente a Marco Aurélio consideraram a ação improcedente e reafirmaram a área de 1,7 milhão de hectares como de uso exclusivo dos indígenas. Ainda faltam votar os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, presidente da Corte. Até a conclusão do julgamento, qualquer ministro pode rever seu voto.

O voto de Marco Aurélio foi longo. O ministro enfatizou que o estado de Roraima e os municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia, cujas áreas geográficas são afetadas pela demarcação, não foram citados para que fossem ouvidos no processo de reconhecimento da área. Tal situação, de acordo com ele, acarretaria a nulidade da medida administrativa adotada pelo governo federal.

Segundo o ministro, uma nova ação demarcatória exige que sejam ouvidas todas as comunidades indígenas existentes na área a ser demarcada, os posseiros e titulares de domínio, o estado de Roraima e os municípios afetados, além do Conselho de Defesa Nacional quanto às áreas de fronteira.

Marco Aurélio assinalou ainda que o novo levantamento antropológico e topográfico para definir a posse indígena deve ter como termo inicial a data da promulgação da Constituição Federal.

O ministro questionou o reconhecimento da totalidade da área como pertencente aos índios. “Não se pode mesmo crer que, em 1988, número limitado de indígenas ocupasse, de forma contínua, área tão vasta”, afirmou.

“Uma coisa é dar-se a verificação da posse pelos indígenas em 1988 e preservá-la, impedindo-se a permanência de terceiros. Outra diversa, que não se coaduna com os ditames constitucionais, que a todos submetem, é fazer-se a demarcação contínua e, aí, em área de tamanho incompatível com o conceito de posse, chegar-se à exclusão dos que não sejam considerados, na via direta ou indireta, indígenas”, acrescentou.

Outro aspecto abordado por Marco Aurélio foi o fato de parte da população indígena da reserva não estar de acordo com a demarcação contínua. As comunidades que adotam esta posição não teriam sido consultadas para a elaboração do laudo que embasou a demarcação.

“O estágio de aculturamento talvez tenha avançado de tal maneira que não mais interessa o total isolamento do povo indígena, de forma a viabilizar a vida como em tempos ancestrais. Não cumprir o dever de consulta pode vir a provocar maior lesão aos direitos humanos, pois parte-se da premissa errônea de que todas as comunidades desejam o isolamento”, ressaltou Mello.

*****************************************

Supremo continua a julgar hoje ação contra a demarcação da Raposa Serra do Sol

Após os votos do ministro Marco Aurélio Mello, pela nulidade da demarcação em faixa contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e do ministro Celso de Mello, pela manutenção da demarcação contínua, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, suspendeu o julgamento da questão, que será retomado na sessão de hoje (19/03). Até o momento, nove ministros já votaram a favor dos índios e pela retirada dos agricultores brancos da região.

Hoje, pela terceira vez em sete meses, os ministros tentaram concluir o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada por senadores de Roraima contra a demarcação, homologada pelo governo federal em abril de 2005.

A sessão começou às 9h45 e foi suspensa duas vezes para intervalos. Apenas a leitura do voto de Marco Aurélio, que havia pedido vista do processo em 10 de dezembro de 2008, consumiu mais de seis horas.

À exceção de Marco Aurélio, os demais ministros consideraram a ação improcedente e reafirmaram a área de 1,7 milhão de hectares como de uso exclusivo dos indígenas. Aproximadamente 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang vivem na região.

Se o posicionamento majoritário da Corte não mudar, um grupo de grandes produtores de arroz e de aproximadamente 50 famílias de agricultores brancos terão que deixar parte da reserva na qual se instalaram. Eles insistem em permanecer na área por não concordar com o valor das indenizações oferecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e com o possível reassentamento em outras terras do estado.

Qualquer ministro ainda pode rever seu posicionamento, antes do término do julgamento.

O voto do ministro Marco Aurélio foi comemorado pelo produtor de arroz Paulo César Quartiero e por políticos de Roraima que acompanharam o julgamento. Segundo eles, o ministro deixou claro a existência de inúmeros vícios no processo de reconhecimento da área como indígena e os argumentos dele poderão sensibilizar outros colegas.

O ministro defendeu que uma nova ação demarcatória comece do zero, com a audição de todas as comunidades indígenas existentes na área, de posseiros e titulares de domínio, do Estado de Roraima, dos municípios afetados e do Conselho de Defesa Nacional.

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, disse que já previa o voto de Marco Aurélio Mello, mas ressaltou sua confiança de que seja confirmada a tese da demarcação contínua.

Amanhã, deverá ser colocada em votação pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, uma questão preliminar levantada pelo ministro Marco Aurélio.

Na prática, Mello defende que a nulidade, também da própria ação em análise, só será superada se a Corte citar o ex- ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que se manifestem no processo, independentemente das informações encaminhadas pela Advocacia-Geral da União.

O Ministério da Justiça foi o responsável pela edição da portaria de demarcação da área, de nº 534/2005, e o presidente da República, pelo decreto de sua homologação, de 15 de abril de 2005. (M.A.S./ABr)


(Envolverde/Agência Brasil)

Nenhum comentário: