Por Marcos Sá Corrêa*
Sem freio nem motorista, desembestado na contramão, o Brasil está em campanha para se livrar das leis que protegem as últimas relíquias de sua exuberância natural.
Há um anúncio na TV dizendo que "o País vai parar" se elas não mudarem. Mas a publicidade é o de menos. Santa Catarina disparou na frente e, concretamente, vota até o fim do mês na Assembleia Legislativa o Projeto 0238, que desfigura o Código Ambiental do Estado a ponto de instituir a licença automática de obras não embargadas e reduzir de 30 para 5 metros a barreira de matas ciliares nos cursos d?água.
A desculpa dos políticos é alforriar, com o projeto, cerca de 167 mil pequenos agricultores, espremidos pelas faixas de proteção permanente em propriedades de 50 hectares. Mas, na prática, o novo código atende antes de mais nada "os grandes", avisa o promotor Luís Eduardo Souto, em artigo no site da Apremavi, uma ONG da serra catarinense.
Os "grandes", Souto esclarece, são 1,9% de latifundiários que dominam 32,52% da área cultivada no Estado. O "agricultor familiar", que lhes serve de pretexto, já conta com a "autorização legal do código vigente para utilizar economicamente as áreas de preservação permanente, desde que o faça mediante sistema de manejo agroflorestal sustentável".
Mas isso não faz diferença. Mente-se tanto no Brasil em favor dos pobres que dez projetos federais disputam, em Brasília, a honra de amputar 9,5 milhões de hectares de parques nacionais e outros tipos de reserva. Somados pelo repórter Aldem Bourscheit, dos confins da Amazônia às fronteiras do RS, eles dariam para cobrir um Estado do tamanho de SC. Só o deputado Asdrúbal Bentes quer acabar com 6,5 milhões de ha em florestas nacionais e parques no Pará.
O presidente do Instituto Chico Mendes, Rômulo Mello, alega que os projetos dos parlamentares são fracos, "sem informação técnica detalhada". Seria plausível caso Mello se dedicasse a desmontá-los. Mas não foi isso que fez, no domingo passado, falando em programa de TV sobre o Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Como encarregado oficial de zelar pelas unidades de conservação do governo federal, ele pôs no ar dúvidas estranhas sobre a legitimidade do processo que resultou no parque, estabelecido num lugar "onde tem gente". E ainda aproveitou as câmeras para propor a revisão do Código Florestal Brasileiro.
Com defensores como Mello, o Ministério do Meio Ambiente não precisa de opositores. Mello, pelo visto, ignora que o Grande Sertão Veredas surgiu de um processo exemplar. Leva a assinatura de Maria Tereza Pádua, a funcionária pública que,em outros tempos, instituiu quase tantos hectares de áreas protegidas quanto os milhões que as autoridades agora pretendem suprimir.
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