Por Thais Iervolino
Colaboração: Aldrey Riechel
Não basta comemorar, é preciso discutir o papel da mulher na sociedade atual e lutar pela igualdade do gênero. É esse o objeto do Dia Internacional da Mulher, comemorado todo 8 de março, nos quatro cantos do mundo.
A data remonta o dia 8 de março de 1857, quando operárias de Nova Iorque (EUA) fizeram uma greve, ocuparam a fábrica onde trabalhavam para reivindicar melhores condições de trabalho: redução na carga diária de trabalho para dez horas, equiparação de salários com os homens e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Cerca de 130 tecelãs morreram carbonizadas
Hoje, depois de 152 anos, apesar de muitas conquistas e avanços, as mulheres ainda sofrem com o preconceito, a violência, jornada excessiva de trabalho e desvantagens na carreira profissional. Na Amazônia, infelizmente, a realidade das mulheres não é diferente. “Ser uma mulher da Amazônia, ainda que com suas peculiaridades, guarda ainda as semelhanças de ser uma mulher no Brasil: as dificuldades, os preconceitos que muitas vezes elas têm que enfrentar são os mesmos. Não é porque está na Amazônia que vai ser diferente do que nas demais regiões do país”, diz a ex-ministra e senadora Marina Silva, uma das principais vozes femininas da Amazônia.
Segundo ela, apesar de as mulheres enfrentarem todos os problemas em relação à garantia de seus direitos, seu protagonismo sempre foi muito forte, em todos os sentidos. “Se você pega a luta dos seringueiros, você vai encontrar figuras femininas, desde o início. A primeira presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri, na época do Chico Mendes, foi uma mulher - que agora voltou ao sindicato. A formação dos Sindicatos dos Seringueiros tem uma forte participação das mulheres, inclusive da Dona Raimunda. E assim você pode observar na política, na academia. A presidente do Museu Goeldi é uma mulher”, analisa a senadora.
Um dos exemplos de protagonismo é o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco de Babaçu (MIQCB), que, desde meados da década de 1980, reúne quebradeiras de coco babaçu, extrativistas, donas de casa, mulheres, mães, avós, esposas, trabalhadoras rurais para de quatro estados brasileiros – Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí, a fim de mobilizar representantes de governos federal, estaduais e municipais para debater alternativas de desenvolvimento para as regiões de babaçuais. “Acreditamos que, a partir da nossa articulação no Movimento, poderemos conquistar melhores condições de vida e de trabalho, bem como garantir os nossos direitos enquanto cidadãs.”, acredita Zulmira de Jesus, coordenadora da Regional da baixada do Maranhão movimento do MIQCB.
Para o movimento, as mulheres são o eixo central. “É uma questão de identidade, quem mais se identifica com o babaçu são as mulheres. Então, por essa razão, a gente trabalha com elas. São as mulheres quebram coco e são as mulheres que estão organizadas dentro desse campo”, revela Zulmira.
Atualmente, a principal luta das quebradeiras é a implantação da Lei dos Babaçus Livres para a conservação das palmeiras em pé. “A concentração de terra é muito grande e os fazendeiros tiram o babaçu para plantar o capim”, diz Zulmira, e continua: “Sabemos que uma empresa Alemã irá plantar, no Maranhão, 500 hectares de óleo de dendê, que é um dos principais concorrentes do babaçu. Com isso, serão 500 mil hectares de babaçu que vão ser devastados. A gente está buscando aliados, não é só 500 mil hectares de babaçu derrubado, mas são milhares de famílias que vão ficar sem ter da onde tirar seu alimento”.
Outros problemas
“Ser uma mulher na Amazônia comporta a dor e as delícias de ser mulher no Brasil, com as dificuldades típicas da região”, assim afirma a senadora, ao relatar alguns desafios, que também incluem a questão ambiental.
O atendimento das demandas básicas de educação e saúde, assim como os específicos para elas, é um dos principais problemas enfrentados pelas mulheres, segundo a senadora. “Há uma ausência do Estado na prestação dos serviços elementares de atendimento à saúde da mulher, planejamento familiar, atendimento da infância. É algo que sobrecarrega muito as mulheres”, explica.
As oportunidades para as mulheres também são muito escassas. “Você tem municípios inteiros que são devastados pela ação predatória da madeira e boa parte dos homens vão embora, deixando rastros de devastação social e ambiental e quem fica, na maioria dos casos, são as mulheres, com a prole. Isso acontece também com os grandes empreendimentos: no setor elétrico, de estradas”, revela.
Neste sentido, as quebradeiras também sofrem alguns preconceitos. “A gente é vista, muitas vezes, como mulheres que atrapalham o desenvolvimento do município, do Estado e do País”, diz Zulmira, que argumenta: “Mas eles também não entendem que nós somos mães e somos centenas e milhares de mulheres que não têm emprego. A única coisa que nos sustenta e que dá pra gente criar nossos filhos, pra contribuir com a nossa renda é o babaçu. Eles não compreendem isso”.
Para ela, as quebradeiras são vistas como um entrave. “A gente não é vista como as que buscam ser livres por meio da natureza e da preservação. Na hora em que a gente vai ter um diálogo com alguns setores de governo, eles já ficam dizendo que estamos atrapalhando, que a não temos olhar para o desenvolvimento. E a gente abre pergunta: “Desenvolvimento pra quem se parte da população está ficando sem terra, está ficando sem os seus babaçus?”. Pra quem esse desenvolvimento na verdade?”, questiona.
Celebrar as conquistas e lutar por direitos
“A gente não pode minimizar essa conquista. Se a gente considerar que, durante milhares de anos, as mulheres foram consideradas irrelevantes e incapazes no processo civilizatório, foram tuteladas literalmente pelos homens em todos os aspectos e, em menos de 70 anos, as mulheres ocupam o espaço que elas ocupam, é não ter o alcance de paradigmas do que aconteceu”, afirma Marina.
Segundo ela, não se pode esquecer a conquista feminina. “As mulheres passaram milhares de anos sem acesso ao conhecimento, sem direito à participação nos processos políticos, sociais, culturais e espirituais, e, num espaço de cerca de cem anos, tem-se uma inserção altamente qualificada em todos os seguimentos da sociedade. É claro que esse déficit social milenar ele não se realiza da noite para o dia, ele não se supera da noite para o dia. Não podemos esquecer essa conquista”.
Para a senadora, ainda há inúmeros desafios a serem ultrapassados. “Se a gente vai traduzir esse déficit para o cotidiano, a gente vai encontrar inúmeras dificuldades. A grande questão que se coloca hoje é como se ter uma atuação política da valorização da integração das duas dimensões da condição humana, da masculina e da feminina, respeitando as especificidades de cada uma”, conclui.
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