Por Daniel Rittner, de Porto Velho
"Vendem-se lotes", diz uma faixa à chegada de Jaci-Paraná, distrito a 80 quilômetros do centro de Porto Velho que é cortado pela BR-364, a ligação de Rondônia com o Acre. Do outro lado da rodovia, quase em frente ao anúncio que expõe a intensa especulação imobiliária no distrito, chama a atenção a presença de lojas de motosserras. Essa convivência não é casual. Simboliza a nova pressão sobre as florestas de Rondônia - que, depois das madeireiras e do agronegócio, sofrem as ameaças do crescimento populacional de Porto Velho, como conseqüência da massa de migrantes atraída pela construção das hidrelétricas do rio Madeira.
Com base nos números do Deter, sistema de monitoramento por satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a organização não-governamental Amigos da Terra - Amazônia Brasileira compilou os números do desmatamento em Porto Velho nos 12 meses anteriores e superiores à emissão da licença prévia ambiental do complexo hidrelétrico do Madeira, em julho do ano passado. A devastação identificada pelo Deter alcançou 105 quilômetros quadrados de julho de 2006 a junho de 2007, apenas em Porto Velho. De julho de 2007 a junho de 2008, o corte de mata nativa subiu para 191 quilômetros quadrados. Em Nova Mamoré, município vizinho, o desmatamento cresceu de 10 para 44 quilômetros quadrados na mesma comparação. Apesar de o sistema do Inpe não detectar áreas desmatadas abaixo de 25 hectares, "há uma tendência nítida de aumento", conclui Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra.
Por ora, seria exagero atribuir o grosso desse crescimento à especulação imobiliária. Conforme reconhece a própria chefe da divisão de controle e fiscalização da superintendência do Ibama em Rondônia, Nanci Rodrigues da Silva, a maior pressão ainda vem da atividade madeireira, apesar das recentes operações para coibir o negócio. O metro cúbico de madeiras menos nobres, em tora, vale pelo menos R$ 60. Uma árvore dá três ou quatro metros cúbicos. No caso do ipê, supera R$ 200. A cerejeira chega a R$ 300. "É uma forma rápida de se capitalizar para outras atividades", afirma Nanci, referindo-se aos pastos que geralmente vêm em seguida. Tauari e jequitibá, espécies quase desprezadas há algum tempo, hoje são alvo de cobiça dos madeireiros, observa.
Nanci explica que o desmatamento disparou em Rondônia depois da promulgação da Lei de Gestão de Florestas Públicas, quando o monitoramento e as autorizações para o manejo sustentável passaram do Ibama aos Estados. Os dois níveis de governo trabalhavam com registros cadastrais diferentes e as madeireiras que respondiam a processos por crimes ambientais aproveitaram a confusão para voltar a atuar. "Essas empresas atualizaram seus cadastros como se não tivessem um passivo ambiental."
Apesar de atribuir à exploração da madeira e ao agronegócio os principais danos ambientais na região, a chefe de fiscalização do Ibama está preocupada com os efeitos da construção das usinas do Madeira. "A pressão habitacional é muito grande", diz Nanci. Ela aponta que uma das maiores pressões será a possibilidade de ocupação das áreas de preservação permanente que envolvem 30 metros de cada margem dos igarapés (córregos) de Porto Velho. "Podemos ter tudo isso descaracterizado, sem falar na poluição", teme. Porto Velho tem, segundo ela, 60 quilômetros de igarapés.
Um dos desafios é a falta de regularização fundiária, que atinge praticamente toda a periferia do município e "anda passo a passo com o desmatamento", acredita Nanci. "As áreas tituladas e com escritura têm um escudo contra a grilagem e facilitam a punição de crimes ambientais. Quando não há identificação, vira a casa da sogra."
Jaci-Paraná é um dos distritos de Porto Velho com maior potencial de crescimento populacional, por estar entre os futuros canteiros de Santo Antônio e de Jirau. Tem de 3 mil a 5 mil habitantes (depende de quem faz o cálculo) e a principal corretora local vende sobretudo lotes de 250 metros quadrados em áreas recém-lançadas. Não tem escritura, água nem esgoto. Cada lote custa R$ 5 mil e apenas uma das várias áreas sendo exploradas tem 180 unidades, totalizando 45 mil metros quadrados. Bem ao lado de onde o corretor tenta vender lotes, uma área de mata nativa de igual tamanho parece ter os dias contados. "Ainda não estamos com lotes à venda, mas estamos negociando com o dono dessa área para derrubar tudo", informa o corretor à reportagem, que se identificou como interessada em fazer negócio.
A estimativa de chegada de migrantes ao longo da construção da obra varia de 36 mil (cálculo apresentado por Odebrecht e Furnas no projeto básico ambiental enviado ao Ibama) a 150 mil (hipótese mais pessimista da prefeitura). Outro foco de preocupação para ambientalistas e para urbanistas é o futuro da margem do rio Madeira ainda relativamente desocupada, pela falta de pontes. A recuperação total da BR-319 (Porto Velho-Manaus) inaugurará uma ligação viária entre as duas margens e deverá pressionar esse lado do rio, que também abrigará o canteiro da usina Santo Antônio. Há quem tenha, no entanto, uma visão mais otimista. "Com o crescimento econômico, o Brasil tem muitas oportunidades em diversas regiões. A migração para Porto Velho será seletiva", acredita o subprocurador-geral da Justiça de Rondônia, Ivo Benitez.
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