segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Folha - Amazônia bilionária

Editorial

Noruega doa US$ 1 bilhão contra desmate; fundo custeará projetos de conservação, mas há dúvida sobre fluxo futuro

A MATERIALIZAÇÃO do Fundo Amazônia foi rápida. Proposto em dezembro na conferência sobre clima de Bali, o mecanismo de incentivo à redução do desmatamento foi oficializado pelo governo Lula em agosto e recebe agora um depósito pioneiro, da Noruega. O ceticismo inicial com o potencial de doações voluntárias foi desfeito pelo país escandinavo, que prometeu aportar US$ 1 bilhão até 2015.

Para aquilatar o significado da cifra, basta dizer que monta ao dobro do que o governo brasileiro orçou para combater o desmate de 2008 a 2010. Por ora, US$ 20 milhões foram depositados; US$ 120 milhões virão nos próximos meses, totalizando os US$ 140 milhões anuais previstos.

Os aportes anuais só ocorrerão se o Brasil mantiver a taxa de desmatamento abaixo dos 19.500 km2 médios do decênio 1996-2005. Foi o caso de 2006, que ficou 5.500 km2 aquém disso. O equivalente a 200 milhões de toneladas de CO2 deixou de ser emitido na atmosfera e, assim, de agravar o efeito estufa.

Cada tonelada poupada dá direito a utilizar US$ 5 do fundo. Portanto, o resultado de 2006 credita US$ 1 bilhão ao país. Seria preciso, porém, obter mais doadores, pois só US$ 140 milhões estão garantidos no período. Há negociações em curso com Coréia do Sul, Japão, Suíça, Suécia e Alemanha, além de empresas estrangeiras e nacionais.
O fundo tem administração do BNDES, que selecionará projetos de vários tipos, da recuperação de áreas degradadas ao uso sustentável de florestas. Está em debate, ainda, remunerar comunidades e proprietários que preservarem matas e se comprometam a fazê-lo no futuro.

Trata-se de mecanismo inteligente, com potencial para deflagrar um círculo virtuoso na Amazônia. Cria forte incentivo para o governo perseverar na política antidesmatamento, pois os fundos ficarão indisponíveis se a devastação não for contida.

Ao mesmo tempo, o fundo contorna de maneira engenhosa a objeção tradicional, baseada no argumento da soberania nacional, à necessidade de fiscalização por doadores estrangeiros. O benefício fica vinculado a um desempenho já concretizado, e proporcional a ele. Países ricos pagam ao Brasil por fazer o certo, sem com isso ganhar jurisdição sobre nossas políticas.

A dúvida que cerca o Fundo Amazônia, por ironia, diz respeito à sustentabilidade. Não é certo que venham mais doações voluntárias. Defensores da redução compensada de desmatamento advogam que o fundo deve evoluir para um mecanismo de mercado, em que emissões evitadas revertam em benefício também do financiador (créditos de carbono).
É de esperar que o fluxo espontâneo venha a minguar, quando aumentar a necessidade de recursos, nessas nações, para pagar outras despesas da mudança climática. Entre elas, a redução das próprias emissões de gases do efeito estufa e a adaptação da infra-estrutura aos impactos do aquecimento global.

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