segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Folha - O sentido do Fundo

Coluna
MARINA SILVA

A CRIAÇÃO do Fundo Amazônia -que já conta com a primeira doação, feita pela Noruega- tem um sentido pouco enfatizado, além do objetivo de reduzir emissões de CO2 oriundas de desmatamento. Ela expressa mudança da posição brasileira nas negociações globais, que pode nos abrir novo espaço de liderança, pela capacidade de propor e implementar soluções concretas para o desafio das mudanças climáticas.
A ação brasileira que resultou no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi inovadora e criativa, mas o impacto do Fundo é de outra ordem. Ele deriva do fim da recusa ao debate sobre responsabilidades e metas para países em desenvolvimento, ocorrida em Bali no final de 2007.

Consagra a competência do Inpe em monitoramento e a persistência de organizações da sociedade, como ISA e Ipam, do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e de quadros dirigentes do Ministério do Meio Ambiente. E mostra visão e habilidade do ministro Celso Amorim, cruciais para a formação de consenso que levou à nova postura do governo. Problema sério é que o novo contexto que o Fundo representa deveria estar concretamente refletido no Plano Nacional de Mudanças Climáticas, recém-anunciado. E ainda não está.

O Fundo não nasceu do dia para a noite. Trata-se de projeto-piloto de grande potencial interno e externo. Tornou-se viável graças aos resultados do plano de combate ao desmatamento lançado em 2004, que contribuiu fortemente para a queda de 57% na taxa de desmatamento, evitando emissão de mais de 500 milhões de toneladas de CO2 entre 2005 e 2007. E só receberá novos aportes externos se essa taxa continuar em queda. Assim como o Comitê Interministerial de Mudanças Climáticas, criado em 2007, é parte da Política Nacional de Mudanças Climáticas, que está no Congresso.
É uma via confiável, transparente e soberana, sem condicionalidades e intervenções, para canalizar eticamente a cooperação e a solidariedade internacionais, pois parte da idéia de "ajudar aquele que se ajuda", muito diferente de "ser pago para não destruir". A comercialização como créditos de carbono das emissões evitadas na Amazônia implicaria dar aos países industrializados licença para seguir poluindo.

"Ganharíamos", numa visão meramente monetária, mas à custa de graves prejuízos ao equilíbrio do clima.
Ressalve-se que as doações ao Fundo não substituem o papel do setor público. É preciso concluir a revisão do Plano de Combate ao Desmatamento, em curso desde 2007, e ampliar ações estratégicas e investimentos, passos decisivos para mudar o modelo de desenvolvimento da Amazônia.

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