quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Envolverde - Ingleses de olho na Amazônia


Por Redação da Revista Idéia Socioambiental

Brasil e Inglaterra possuem mais afinidades do que se imagina. E elas não dizem respeito apenas ao futebol, inventado pelos ingleses e consagrado em solo brasileiro. A discussão em torno do movimento de responsabilidade social corporativa, que ganhou fôlego na Inglaterra, também tem conquistado cada vez mais adeptos no Brasil. E agora, mais uma vez, o País poderá beneficiar-se da última “moda” lançada na terra da Rainha: a construção de uma economia competitiva de baixa emissão de carbono. O ponto de mutação para ambas as nações pode estar no combate ao desmatamento, cujo impacto para o aquecimento global é, segundo o Relatório Stern, maior do que o do setor de transporte.

A Inglaterra estabeleceu metas para 2020 de redução de 26 a 32% das emissões de gases de efeito estufa em relação a 1990. No entanto, conforme o relatório “Mudanças climáticas: um assunto de todos”, elaborado pela da Confederação Britânica da Indústria (CBI), o governo dificilmente conseguirá diminuir seu inventário de emissões apenas com medidas adotadas no Reino Unido.

“Uma parceria internacional é fundamental para enfrentar o desafio das mudanças climáticas. Atualmente, os maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa são os países desenvolvidos, mas as emissões produzidas por economias emergentes têm crescido de forma consistente e logo ultrapassarão às da Europa Ocidental e dos Estados Unidos”, aponta o documento.

Cerca de dois por cento das emissões globais de gases causadores do efeito estufa provém do Reino Unido, sobretudo as de dióxido de carbono, produto da queima de combustíveis fósseis para atender as necessidades de energia. Mas a "pegada de carbono" dos ingleses aumenta no mínimo 10%, se contabilizado o carbono emitido para produzir os artigos de consumo importados, assim como os bens e serviços para exportação.

A demanda dos países desenvolvidos por produtos, como óleo de palma, carne bovina e soja, ajuda a impulsionar o desmatamento, quando esses bens são produzidos de forma insustentável em florestas tropicais.

Consciente disso, o Príncipe Charles pretende colocar o combate ao desmatamento na pauta de discussões entre governos, empresas e organizações da sociedade civil. Por meio do Prince’s Rainforest Project, o herdeiro do trono britânico busca parceiros para desenvolver e propor mecanismos de reconhecimento do valor dos serviços ambientais prestados pelas florestas tropicais mundiais.

A iniciativa, anunciada em 2007, prevê quatro etapas de ação, a serem concluídas até 2009. Nesse ano, acontece a Convenção Mundial de Clima em Copenhague, ocasião em que se espera chegar à definição de um acordo para substituir o Protocolo de Kyoto, em vigor até 2012.

Em entrevista à Idéia Socioambiental, durante recente visita ao Brasil, James Heneage, diretor do Prince’s Rainforest Project, comentou sobre a mais importante iniciativa verde do palácio de Bunckingham e também sobre a percepção dos ingleses em relação ao desmatamento e o aquecimento global.

Idéia Socioambiental - Qual a proposta do Prince’s Rainforest Project?

James Heneage - Já estamos vivenciando o agravamento das mudanças climáticas e uma das principais causas desse desequilíbrio é a perda dos serviços ecossistêmicos oferecidos pelas florestas tropicais. O Príncipe Charles acredita que a única forma de preservar esses biomas, pela utilidade pública dos serviços prestados, é remunerar adequadamente os países que os abrigam. Por isso, criou o Prince’s Rainforest Project para integrar governos, empresas e organizações da sociedade civil em busca de alternativas para que a manutenção das florestas tropicais vivas passe a ser economicamente mais vantajosa do que destruí-las para desenvolvimento de outras atividades.

IS – Qual a imagem que os ingleses têm da Amazônia?

JH - Os britânicos aprendem sobre a biodiversidade das florestas tropicais nas escolas, sobre a exuberante riqueza de sua fauna e flora. Em alguns casos, vêem esses biomas como verdadeiros paraísos naturais. Por outro lado, ainda há pouco entendimento acerca das necessidades das pessoas que vivem nessas regiões que, muitas vezes, são encorajadas a ocupar as áreas para desenvolver atividades como a agricultura. No entanto, com as mudanças climáticas, eles começam a compreender a relação entre as florestas tropicais, o clima e a segurança alimentar, assim como a urgência de construir soluções para exploração sustentável desses biomas.

IS – Que papel caberá às empresas no Prince’s Project?

JH - A iniciativa Prince’s, ou qualquer projeto que seja, não pode deixar de considerar as lideranças do setor privado. As empresas, por meio de suas fundações corporativas e projetos de responsabilidade social, têm procurado responder aos anseios da sociedade por respostas para as crises de ordem econômica, ambiental e social. O projeto conta com o apoio de 16 companhias de diferentes setores empresariais (financeiro, industrial, energia, alimentação e mídia). Esses representantes compõem um comitê, junto com outros especialistas, que discutirão soluções inovadoras para combater o desmatamento.

IS - Que tipos de oportunidades de negócio o senhor vê para o desenvolvimento sustentável das florestas tropicais?


JH - Acredito que isso seja perfeitamente possível à medida que aprimorarmos a demanda por produtos e processos mais sustentáveis em toda a cadeia produtiva. Esse é um dos temas que traremos para discussão nessa segunda fase do projeto, acionando nossos contatos internacionais na área de negócios em busca de mecanismos para desenvolver mercados sustentáveis.

IS – Qual a sua avaliação do Protolo de Kyoto?

JH - Primeiramente, precisamos reconhecer os resultados obtidos até agora. O Protocolo de Kyoto é o único sistema que temos para redução das emissões de gases causadores do efeito estufa mundialmente, resultante de um doloroso processo de construção de consensos. O segundo ponto a se considerar é que os mecanismos de mercado estabelecidos pelo protocolo já estão disponíveis há 10 anos. Mesmo assim a lista de urgências no combate às mudanças climáticas ainda é colossal. Se nos esforçarmos para que cada vez mais países assinem o protocolo não vejo razão para que esse mecanismo não evolua mais rapidamente no futuro.

IS - Como o senhor tem visto o movimento de revisão de modelos mentais e de negócios na Inglaterra para construção de uma economia de baixo carbono?

JH - O Príncipe também está engajado nessa área e um de seus esforços tem sido discutir com as lideranças internacionais sobre formas de considerar externalidades nos modelos econômicos, mensurando o uso dos recursos naturais. O capitalismo trouxe tudo o que há de melhor e de pior para a nossa sociedade. Na direção de sanar o desequilíbrio que gerou, suas bases precisam ser revistas para conduzir-nos ao uso racional dos ecossistemas.

IS – O senhor acredita que as crises de ordem econômica, social e ambiental são, de alguma maneira, causadas pela falta de líderes que defendam a bandeira da sustentabilidade?

JH – As lideranças são extremamente necessárias. E percebo uma tendência de surgimento de líderes interessados pelas causas relacionadas a área ambiental e social, sobretudo nos países europeus. O Príncipe tem vantagens nesse sentido, na medida em que é internacionalmente reconhecido e independente por não ser político. Essas características, somadas a sua afinidade com a questão ambiental, facilitam o diálogo com diferentes grupos e a construção de pontes entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Prince’s Rainforests Project

Criado em 2007 pelo Príncipe Charles, o Prince’s Rainforest Project pretende agir como uma ponte entre governos, empresas e organizações da sociedade civil para identificar e desenvolver soluções práticas para combater o desmatamento.

Com uma equipe de 20 profissionais, a iniciativa conta com o apoio de representantes de empresas e organizações como o Banco Mundial, Barclays, Goldman Sachs, KPMG, Shell, entre outras.

Na primeira fase do projeto, foi realizada uma pesquisa para conhecer a receptividade a ações de preservação das florestas tropicais.

Entre março e abril de 2008, a Lippincott - empresa contratada para conduzir a consulta - entrevistou quatro mil pessoas no Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e França. Mais da metade dos entrevistados reconheceu que o desmatamento contribui mais para o aquecimento global do que o setor de transportes.

Em uma segunda fase de engajamento, a equipe do Prince’s tem discutido estratégias de ação entre os diferentes segmentos. Até novembro deste ano, pretende-se anunciar as propostas resultantes desse diálogo. Por fim, planeja-se fazer uma campanha de comunicação para incluir o desmatamento na agenda internacional de discussão das mudanças climáticas.

Aquecimento global: uma oportunidade de remodelar a economia

A mensagem do relatório “Mudanças Climáticas: um assunto do interesse de todos”, da Confederação Britânica da Indústria (CBI), divulgado na última semana, é clara. Postergar o enfrentamento das mudanças climáticas só aumentará os custos para adaptação dos modelos atuais e fará com que o Reino Unido perca oportunidades comerciais que surgirão à medida que o mundo se volta para uma economia de baixa emissão de carbono.

Para elaboração do documento, a CBI reuniu líderes de importantes setores empresariais do Reino Unido, cujas empresas empregam quase dois milhões de pessoas ao redor do mundo e geram uma receita anual de aproximadamente um trilhão de libras esterlinas.

Durante 10 meses, o grupo de trabalho avaliou os benefícios econômicos e os custos de diferentes opções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Segundo conclusão do grupo, para promover as mudanças necessárias para uma economia de baixa emissão de carbono, tanto os consumidores quanto as empresas precisam ser recompensados por tomar as decisões certas. “O carbono tem que ser cotado de acordo com a oferta e a demanda em um sistema de caráter transnacional, que propicie a redução das emissões e recompense o bom comportamento”, ressalta o relatório.

Veja o Gráfico Nível de preocupação das empresas inglesas em relação às mudanças climáticas em http://envolverde.ig.com.br/anexos/51580.doc


(Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)

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