segunda-feira, 27 de outubro de 2008

OESP - Desmatamento zero

Opinião
Por Denis Lerrer Rosenfield

A Amazônia não se tornará um zoológico ambiental, para turistas europeus e americanos usufruírem suas férias. A Amazônia tampouco será vítima de processos de exploração predatória, que podem vir a destruir um dos mais ricos ecossistemas do planeta. Um meio-termo deverá ser encontrado, em que haverá a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento sustentável e a incorporação de populações carentes ao processo produtivo. Neste sentido, merece especial atenção o Projeto Preservar, do Instituto Alerta Pará, que propõe o desmatamento zero, com a plena utilização dos recursos da região, de tal maneira que a preservação da natureza seja acompanhada do desenvolvimento econômico e social. Seria uma forma de esta região do País sair do impasse em que se encontra, como se não houvesse uma terceira alternativa, que harmonizaria a ocupação humana da natureza e sua sustentabilidade. Os fundamentalistas, de que lado forem, deveriam abandonar a cena.

Recentemente, vimos dois órgãos do Estado, Ibama e Incra, digladiando-se sobre o desmatamento da Amazônia. Felizmente, o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente decidiram levantar o véu da ação dos assentamentos, apresentados como responsáveis, dentre os primeiros, pelos desmatamentos, segundo o último relatório publicado. Tais questões estavam encobertas graças a um discurso de tipo ideológico, como se os assentados fossem, por princípio e contra todas as evidências, preservadores naturais do meio ambiente. A realidade é bem outra. É, no entanto, igualmente necessário que as populações desassistidas, sem condições, sejam contempladas, e não abandonadas, pois, aí sim, o desmatamento poderá tornar-se inevitável. Nesta perspectiva, os interesses dos que produzem - assentados, agricultores familiares, produtores rurais, empresas do agronegócio e da mineração - deveriam estar coordenados dentro de uma política comum de desenvolvimento, capaz de vencer os ranços ideológicos que têm obstaculizado uma discussão para todos proveitosa.

O Projeto Preservar apresenta uma proposta inovadora. Ele advoga pelo desmatamento zero por meio de um novo zoneamento ecológico-econômico, que poderia utilizar as áreas já desmatadas, reconvertendo-as a novas culturas, graças ao emprego intensivo de meios tecnológicos e científicos. Seu pressuposto consiste em que não se avançaria no desmatamento de novas áreas, mantendo a floresta em suas condições atuais. Ressalte-se que a floresta amazônica é a mais preservada de todo o planeta, enquanto os europeus, americanos, asiáticos e africanos destruíram, se não a totalidade, a maior parte de suas florestas nativas. O Brasil, o país que mais preservou, não tem por que receber lições de ninguém. Esses outros atores, que comparecem via ONGs, deveriam atentar para as florestas nativas de seus respectivos países.

Eis a proposta. A área territorial do Estado do Pará é constituída por 124,8 milhões de hectares, onde se destacam os seguintes números: 73 milhões de hectares, equivalentes a 58,5% do território paraense, correspondentes a unidades de conservação ambiental, terras indígenas e quilombolas; e 30 milhões de hectares de área antropizada, equivalentes a 24% da área total, incluindo a exploração humana de floresta, campo, cerrado e várzea. A floresta, especificamente, corresponde a 24 milhões de hectares, ou seja, a 19,2% dessa área. No interior da área antropizada haveria a liberação de uma área da pecuária, em torno de 11 milhões de hectares, que se agregariam aos 3 milhões de hectares já em uso pela agricultura. Ou seja, a área de agricultura viria a corresponder a um total de 14 milhões de hectares. Isso se faria pela conversão da pecuária extensiva em intensiva, de alto valor tecnológico, com a conseqüente transferência desses 11 milhões de hectares para o cultivo agrícola. Não haveria nenhuma perda para a floresta nativa.

Um projeto desse tipo teria a vantagem de unir os diferentes atores sociais, econômicos, políticos e ambientais, que se digladiam atualmente na Amazônia e, em particular, no Pará. Assentados poderiam vir a se integrar a uma economia de mercado, agricultores familiares seriam incentivados, os grileiros seriam obrigados a entrar numa relação contratual mediante a regularização fundiária, os produtores rurais teriam o reconhecimento dos anos de trabalho realizado, as empresas perseguiriam o desenvolvimento da região dentro de novos marcos regulatórios e os trabalhadores teriam condições dignas de vida. Não esqueçamos que só o Estado do Pará tem uma população de 7.321.493 habitantes, muitos dos quais em condições precárias.

Isso implica uma série de ações, que vão desde questões institucionais, como revisão e adequação de marcos regulatórios, particularmente os de natureza ambiental, fundiária e trabalhista, até questões de educação ambiental e tecnológica, passando por questões organizacionais, que dizem respeito aos próprios atores desse processo. Torna-se, sobretudo, necessário ter vontade política para levar a cabo tais transformações, que podem vir a ter um real impacto para a Amazônia, começando pelo exemplo oferecido pelo Estado do Pará.

Há uma proposta séria em discussão, que merece ser debatida. Não adianta lutar contra moinhos de vento. A própria soberania do País está em questão e, quanto a isto, não pode haver tergiversação alguma. As mais ricas jazidas minerais se encontram nessa parte do País, com especial destaque para a bauxita, o cobre, o ferro, o quartzo, o ouro, o níquel e o caulim. A importância estratégica e empresarial salta aos olhos. O País vai crescer e se desenvolver, precisando incorporar ao mercado de trabalho populações excluídas, que clamam por trabalho, renda e condições dignas de vida.

A floresta não é um santuário, mas um local de integração com o homem, sempre e quando ela seja preservada. A proposta de desmatamento zero, congelando as atuais áreas, surge como um projeto inovador.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.

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