terça-feira, 21 de outubro de 2008

Envolverde - RDS do Juma é a primeira do Brasil a contabilizar créditos de carbono por desmatamento evitado


Por Andressa Besseler, da Envolverde

Enfrentar o desafio de criar mecanismos de valorização da floresta em pé, do não desmatamento, de manter as comunidades tradicionais em suas terras, com a riqueza cultural e de biodiversidade, este é o caminho escolhido pela Fundação Amazonas Sustentável.

Desde a assinatura do Protocolo de Quioto organizações de todo o mundo estão buscando maneiras de incluir a floresta em pé na geração de riquezas através de mecanismos de emissões evitadas de CO². Aos poucos algumas experiências vêm demonstrando viabilidade. No caso da Fundação Amazonas Sustentável o modelo começou com o desenvolvimento de metodologia de Quantificação da Redução de Carbono por Desmatamento Evitado. Este método foi aplicado pela primeira vez no projeto de redução de emissão de gases de efeito estufa gerados pelo desmatamento na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma, no município de Novo Aripuanã (a 227 quilômetros ao Sul de Manaus), no Amazonas.

Para validar o método, a Fundação contratou a auditoria alemã Tüv Süd que atua pelo padrão CCBA – Climate Community and Biodiversity Alliance**. O projeto recebeu a pontuação máxima na categoria Gold, o primeiro do mundo a se inserir nesse padrão, tornando-se a primeira área do Brasil e das Américas a ser certificada por desmatamento evitado. “É a primeira vez que temos uma contabilidade do carbono fiscalizada e certificada pelo CCBA”, conta o diretor-geral da Fundação, Virgílio Viana.

Este projeto tem uma estimativa de contenção de desmatamento de 366.151 hectares de floresta tropical, do total de 589.612 hectares que compõem a Reserva do Juma. Atualmente, o Brasil ocupa o quarto lugar entre os maiores emissores de gases que causam o efeito estufa, sendo que cerca de três quartos dessa emissão provêm da destruição das matas. “Até o primeiro período de creditação, em 2016, estima-se conter a emissão de 4.013.025 toneladas de CO². O projeto durará até 2050, quando estima-se que deverá evitar emissões de 189.767.027 toneladas de CO²”, explica Viana.

A venda dos créditos de carbono foi estabelecida pelo Protocolo de Quioto, como uma alternativa de utilização de mecanismos de mercado para que os países desenvolvidos possam compensar suas emissões. Isto é feito adquirindo direitos de emissão ou fazendo a captura de carbono. A emissão evitada, contudo, ainda não é reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como um mecanismo capaz de evitar gerar créditos de carbono.

Segundo o diretor técnico-científico da Fundação, João Tezza Neto, o certificado obtido pode ajudar a pressionar a ONU a autorizar os projetos de conservação de florestas a comercializar oficialmente a poluição evitada. “Quando você evita o desmatamento, você evita emitir CO² na atmosfera. Com isso gera crédito de carbono por desmatamento evitado”, explica.

Parceria sustentável

Já existe um mercado informal interessado em comprar os benefícios gerados pelas florestas. Atentos a este nicho de mercado, a Fundação Amazonas Sustentável firmou parceria com a rede de hotéis Marriot. A rede hoteleira americana se dispôs a destinar um dólar da diária de cada hóspede para comprar o equivalente a uma tonelada de gás carbônico não emitido. “A rede Marriot adotou uma série de medidas para ir em direção à sustentabilidade. Com 500 mil leitos, sendo que 400 mil ocupados diariamente, vai oferecer aos hóspedes o direito deles contribuírem, voluntariamente, com U$1 para que a RDS do Juma tenha ainda mais recursos”, conta o representante do Marriot International, Arne Morrisson.

Inicialmente serão investidos US$ 2 milhões, distribuídos ao longo de quatro anos para obras de infra-estrutura nas 22 unidades de conservação, como escolas, residências/alojamentos para os alunos, casas para os professores, postos avançados de fiscalização – que servirão de base para os fiscais do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipam), entre outras ações.

“Há tempos esperávamos um projeto que aliasse a preservação da natureza e do homem que ali vive. É o início do florescer para mais de 320 famílias da Reserva do Juma”, ressalta o líder comunitário Jorge Moraes.

Reserva do Juma

A reserva do Juma ocupa uma área de 5.896 km², o equivalente a quatro vezes o município de São Paulo. Localizada às margens da rodovia AM-174, constitui-se em região de alto risco de desmatamento. Foi criada pelo Governo do Amazonas em 2006 com o objetivo de proteger a floresta com alto valor de biodiversidade e propiciar a melhoria da qualidade de vida das atuais 322 famílias de população tradicional que vivem dentro da área.

Parte da população local também é beneficiada pelo programa Bolsa Floresta, lançado pelo governo do Amazonas em 2007 e atualmente coordenado pela Fundação. Por meio desse projeto, famílias que vivem dentro de 13 áreas protegidas ajudam a conservá-las e recebem um auxílio de R$ 50,00 por mês. O recurso é sempre depositado para a mulher da família.

“Atualmente a renda mensal de cada família é de R$ 100,00 com a produção de até 6 sacos de farinha de mandioca de 5 kg. Mas para vender precisamos gastar R$ 30 com a gasolina do barco que nos leva até o município Novo Aripuanã. Por conta dos investimentos na comunidade iremos aumentar as chances de geração de renda”, acredita o Presidente da Associação de Boa Frente, José Marcos Aguiar.

Na comunidade de Boa Frente, a primeira a ser criada na RDS do Juma, localizada na calha do rio Madeira, foi inaugurado o Núcleo de Conservação e Sustentabilidade Samuel Banchimol e a entrega de três “ambulanchas”, meio de transporte mais adequado para os deslocamentos de pacientes nos rios da região.

Há 60 anos morando na RDS do Juma, Raimunda da Silva Nonato, de 77 anos, aprova o desenvolvimento na região para formar cidadãos conscientes, mas alfineta o uso excessivo de álcool pelos moradores. ”Por conta da idade mal enxergo. Mas ouço muito bem. Com o progresso chegou a bebida, que motiva as brigas entre os moradores. Sou contra isso”, desabafa.

Além dos benefícios climáticos previstos com a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa provocados por desmatamento, o projeto contempla a geração de benefícios sociais e ambientais na área, incluindo: fortalecimento da fiscalização ambiental, incremento da geração de renda através de negócios sustentáveis, melhoria da educação, desenvolvimento de pesquisa científica e pagamento direto por serviços ambientais através do Programa Bolsa Floresta em suas quatro modalidades (Bolsa Floresta Família, Bolsa Floresta Social, Bolsa Floresta Associação e Bolsa Floresta Renda).

* A repórter viajou a convite da Fundação Amazônia Sustentável.

** O CCBA (Climate Community and Biodiversity Alliance) realiza parceria com empresas, ONGs e institutos de pesquisa para promover soluções integradas na gestão das terras ao redor do mundo. Com este objetivo em mente, o CCBA desenvolve normas voluntárias para ajudar a concepção de gestão do solo e identificar projetos que minimizem simultânea as alterações climáticas, o apoio ao desenvolvimento sustentável e conservação da biodiversidade.

Nota do editor: O título foi alterado.

(Agência Envolverde)

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