quarta-feira, 1 de outubro de 2008

OESP - De olho nos castanhais


Por Giovana Girardi, de O Estado de S. Paulo

Algumas estimativas chegam a falar que são necessárias de 50 mil a 100 mil sementes para ter uma árvore adulta

SÃO PAULO - O biólogo paraense Carlos Peres ainda estava no início da adolescência quando percebeu que a atividade do pai, um grande exportador de castanha-do-pará em Belém, iria sucumbir em algum momento, se continuasse sendo feita de modo intensivo. Aos 11 anos, via todas as castanhas sendo retiradas das árvores e começava a se questionar como é que elas iriam gerar novas castanheiras.
A dúvida, que provocou algumas brigas com o pai – “ele achava que aquilo tudo era bobagem”–, impulsionou o garoto a investigar os processos de devastação da Amazônia. Aos 16 anos, bateu na porta do Museu Paraense Emílio Goeldi e pediu estágio. “Eu tinha passado uns tempos nos Estados Unidos, falava bem inglês, então todos os associados estrangeiros do Goeldi me levavam para o campo. Descobri que era aquilo que eu queria da vida.”

Enquanto estava no museu, entrou em biologia na Universidade Federal do Pará. Depois fez mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior, deu aulas na USP, em São Paulo, até não agüentar mais a capital paulista. Foi para a Universidade de East Anglia, na Inglaterra, mas nunca deixou de estudar os problemas do seu “quintal de infância”.

“Já era muito óbvio quando eu era pequeno que os castanhais poderiam sucumbir, se alguém vai lá e cata 99% das sementes, mas eu só tinha 11 anos e não tinha como comprovar”, lembra. Hoje, passados 20 anos de estudo de campo, o biólogo coletou estatísticas suficientes para pode dizer com segurança que o tão propalado desenvolvimento sustentável baseado em sistemas extrativistas supostamente benignos está fadado ao fracasso, se não houver um bom plano de manejo por trás.

Como as castanheiras têm alta longevidade, esses problemas só são percebidos com trabalhos também de longo prazo. Investigando os castanhais mais antigos, Peres notou que vem ocorrendo um “estrangulamento na taxa de recrutamento de plantas” – traduzindo, não está havendo tempo para nascerem novos indivíduos.

Algumas estimativas chegam a falar que são necessárias de 50 mil a 100 mil sementes para ter uma árvore adulta. Isso porque as sementes e as plântulas (um tipo de brotinho) podem ser comidos por predadores. “Se essa fase começa com poucas sementes, não chega nem a saciar a predação. Precisa ter muitos para que alguns sortudinhos possam crescer”, explica com um leve sotaque inglês, adquirido após mais de dez anos vivendo em Norwich, na Inglaterra.

Além da retirada excessiva de sementes, os castanhais ainda são ameaçados pelo corte da árvore que, apesar de proibido, continua sendo feito, e pelo próprio avanço do desmatamento – a árvore não consegue sobreviver por muito tempo, se estiver isolada na floresta.

Para piorar, lembra Peres, a pressão de caça sobre mamíferos como as cutias, dispersores naturais das sementes, também ameaça a sobrevivência dessas árvores e das populações que vivem dela.

GENTE DEMAIS

Segundo seus cálculos, quando a densidade humana em muitas áreas de baixa produtividade ultrapassa 0,1 pessoa por km², algumas especies de aves e mamíferos de grande porte, que são muito sensíveis à caça de subsistência, tendem entrar em colapso populacional.

Seu resultados, publicados em revistas científicas de peso como a americana Science, têm chamado a atenção da imprensa e, por conseqüência, dos órgãos públicos. “Eles (o governo) ainda não lêem os artigos na fonte, mas, se sai no jornal, vêm me procurar”, conta. São dados que estão servindo para modificar o paradigma sobre o desenvolvimento sustentável e podem em breve, espera Peres, balizar as políticas públicas.

O trabalho com os castanhais foi apenas parte de uma preocupação mais ampla do pesquisador com o que ele chama de “perturbação estrutural da floresta”, onde avalia a cadeia de ações que têm levado a incêndios espontâneos cada vez mais freqüentes na mata. “Um dos maiores problemas da Amazônia hoje é que a floresta está ficando cada vez mais inflamável por uma conjunção de fatores, como secas promovidas pelo aquecimento global e pela ação de madeireiros.”

De acordo com Peres, quando as árvores são retiradas seletivamente da mata acabam abrindo buracos no dossel que possibilitam o ressecamento das plantas remanescentes naquele espaço, ficando suscetíveis ao fogo. “A única coisa com capacidade para segurar essa vulnerabilidade são grandes extensões de floresta primária intacta, que funcionam como barreiras ao fogo”, explica. A descoberta é mais uma justificativa para a criação de áreas protegidas.

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