domingo, 26 de outubro de 2008

Folha - Folha Expertise vegetal

Por MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Biodiversidade amazônica é fruto da especialização das populações de plantas, mostra estudo

Pesquisadores dos Estados Unidos e do Equador desvendaram mais um pedaço do vasto enigma da origem da biodiversidade na floresta amazônica. Depois de estudar características e posições relativas de 150 mil árvores numa área equivalente a 25 campos de futebol, concluíram que a alta diversidade -1.100 espécies presentes- não é um mero fruto do acaso, mas sim da necessidade.

O estudo de Nathan Kraft, Renato Valencia e David Ackerly (que ainda estudante fez pesquisa de campo em Mato Grosso, nos anos 1980) está na última edição do periódico "Science". Eles trabalharam com um banco de dados de todas as árvores com mais de 1 cm de diâmetro num campo experimental da Floresta Yasuní, no leste do Equador.
Esse pedaço da floresta amazônica é provavelmente aquele que contém a maior quantidade de espécies de árvore por unidade de área. Um talhão 80 vezes maior estudado pelo ecólogo Jimmy Grogan no leste do Pará, onde há estação seca bem mais definida, contava apenas 400 espécies arbóreas (já uma enormidade, em comparação com as homogêneas florestas temperadas).

Essa grande variedade tropical sempre intrigou especialistas. Há duas explicações concorrentes para o fato. A mais popular diz que cada árvore se encontra onde está porque todas são muito competentes em explorar pequenas variações nas condições do meio, o chamado nicho ecológico.

"Uma visão clássica em ecologia é que as espécies se especializam em "ganhar a vida" de diferentes modos numa comunidade", explica Kraft. "Essas estratégias especializadas -por vezes chamadas de "nicho" da espécie- promovem a coexistência por reduzir a competição entre espécies."

Na outra ponta está a explicação com base em processos "neutros", de um ponto de vista ecológico. Por exemplo, fatores aleatórios envolvidos na dinâmica demográfica das populações de árvores.

As variações de umidade, tipo de solo ou topografia não seriam suficientes para uma comunidade particular de espécies estabelecer-se em determinada área da floresta, segundo essa visão. Sua composição seria mais fruto do acaso na sobrevivência e na dispersão das plantas. Cada lugar poderia ser ocupado por árvores de qualquer espécie.

Kraft, Valencia e Ackerly alimentaram o banco de dados com medidas de várias características associadas com a estratégia ecológica das árvores, de área de folhas a peso de sementes e altura do tronco. Depois, analisaram as semelhanças e diferenças entre os conjuntos de características encontrados em quadrados de 20 metros por 20 metros.

Floresta eletrônica

A seguir, compararam essa dispersão geográfica de peculiaridades com uma floresta ideal gerada por computador, segundo o princípio da distribuição aleatória. As análises estatísticas, afirma Kraft, forneceram "evidências que apóiam a visão baseada em nichos numa das florestas tropicais mais diversas do planeta".
"Esse artigo apresenta a confirmação bem-vinda daquilo que a maioria dos ecólogos vegetais de campo já sabia, por seus próprios olhos, ser verdade para as comunidades florestais", afirma Grogan, da Universidade Yale.

"Espécies de árvores -mesmo centenas delas em áreas muito pequenas- se diferenciam por preferência por nichos (estratégia ecológica). Essa diferenciação, ao lado de fatores estocásticos, limitação dispersiva etc., contribui para a manutenção de extraordinária diversidade", escreveu Grogan num e-mail.

"Na minha maneira de ver, modelos sem nichos (neutros) foram desenvolvidos, ao menos em parte, como resposta à frustração por nosso fracasso persistente em detectar diferenças estatisticamente mensuráveis entre as espécies aparentemente similares no campo de ação, cuja complexidade mal começamos a apreender, e em escalas temporais (anos, ou no máximo um par de décadas) que são triviais se comparados com o horizonte temporal da evolução", afirmou.

Já Bill Magnusson, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia), se disse surpreso com o fato de o estudo sair na "Science", por ser previsível. "A questão não é se existem diferenças nos nichos, mas quanto isso é importante para gerar ou manter a diversidade conhecida (o que poderia ser gerado por processos "neutros')", diz o pesquisador. "O estudo não abordou isso."

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