domingo, 26 de outubro de 2008

Folha - Militares relatam morte de guerrilheiros do Araguaia

Por SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A IPAMERI (GO)

Soldados dizem ter visto tortura e enterro de comunistas cujos corpos nunca apareceram

Exército afirma que não vai comentar novas revelações feitas à Promotoria e à Folha por militares que atuaram contra guerrilha nos anos 70

Militares que participaram na primeira metade dos anos 70 da repressão à guerrilha organizada pelo PC do B na Amazônia contaram em depoimentos ao Ministério Público do Pará ter presenciado torturas e a morte de guerrilheiros e camponeses pelo Exército.
Outros militares que também atuaram contra a guerrilha do Araguaia -região formada por áreas do sudeste do Pará, norte de Tocantins e sul do Maranhão- disseram à Folha, em Ipameri (cidade a 200 km de Goiânia), que, além de mortes e torturas, assistiram ao enterro de comunistas cujos corpos jamais apareceram.

O Exército anunciou que não comentaria as novas revelações. Cerca de 70 corpos de guerrilheiros permanecem desaparecidos. A guerrilha foi aniquilada em 1975, após três anos de ação militar.

Pelo menos dez depoimentos foram prestados em 2005 por iniciativa dos militares, em Marabá (PA). Eles serviram de base para as ações da Justiça Federal em Brasília em que cerca de 600 ex-combatentes requerem indenização por supostas seqüelas físicas e mentais sofridas no Araguaia.

No último dia 7, ex-soldados reuniram-se em Ipameri para discutir as ações. O ex-soldado Jairo Pereira, 58, conta que no cemitério de Xambioá (TO) acompanhou o enterro de um guerrilheiro em junho de 1972. Ele dirigiu o jipe que levou o cadáver ao cemitério. Segundo Pereira, com ele estavam um sargento e um cabo.

Pereira diz que nunca soube o nome do morto. Pela época e pela descrição, o cadáver só poderia ser de Bergson Gurjão Farias, o Jorge, que morreu aos 25 anos em 2 de junho de 1972, numa emboscada. Ele teve o "corpo crivado de balas", relatam em "Operação Araguaia-Os Arquivos Secretos da Guerrilha" (Geração Editorial; 2005) os autores Taís Morais e Eumano Silva.

"Do peito para baixo, estava todo arrebentado, todo baleado, todo cortado. Deram uma rajada em cima dele. No cemitério, foi enterrado num cantinho, numa sepultura de terra."

Também combatente no Araguaia, o ex-soldado Raimundo Pereira de Melo, 54, diz que há erro em documentos da Marinha divulgados em livros sobre o Araguaia com dados da morte da guerrilheira Telma Regina Cordeiro Corrêa (Lia).

Os documentos informam que ela morreu em janeiro de 1974. Melo diz que tomou conta de Lia na base de Xambioá em setembro daquele ano. Afirma que a levou até um helicóptero militar, que decolou a seguir. Pouco depois, o aparelho voltou sem Lia. Para Melo, ela foi jogada na selva.

"Afirmo pela felicidade dos meus filhos que essa senhora não foi morta no inicio de 1974, pois em 7 de setembro, entre 16h30 e 17h30, ela chegou de helicóptero à base de Xambioá, encapuzada com um saco de estopa e levada para a casa onde eram torturados os guerrilheiros. Tirei serviço de guarda das 22h à 0h e das 4h às 6h, na vigia. Depois das 7h, a escoltamos até a pista de aviação, onde foi entregue ao piloto, que estava com um "carrasco"."

Do encontro participaram soldados que deram nova versão para o confronto de 30 de setembro de 1972, em que morreram os guerrilheiros Juca (João Carlos Haas Sobrinho), Flávio (Ciro Flávio Salazar de Oliveira) e Gil (Manoel José Nurchis). O episódio é relatado por historiadores do Araguaia, mas não da forma como se passou, segundo os ex-militares.

Sebastião Elias, 55, e Joaquim da Silveira, 55, falam que Juca e Flávio morreram no primeiro ataque dos militares. Gil teria resistido por cinco horas.
"O terrorista ficou vivo, mas muito ferido nas duas pernas. O sargento que comandava o grupo, Antenor Vaz, esperou, gritou para ele se entregar, ele não se entregou. Ao meio-dia, foi disparado um tiro. Ele havia se matado com um tiro na cabeça", relembrou Silveira.

Ao Ministério Público, o ex-militar Severiano Maciel de Souza, 58, disse que em 1974 viu o guerrilheiro Daniel Callado ser embarcado em um helicóptero por militares. Doca, codinome de Callado, não foi visto mais. Souza afirmou que um camponês chamado Batista e "uma senhora" da região, acusados de ajudar os guerrilheiros, foram torturados.

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