sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Envolverde - Consumo de SP ajuda a devastar Amazônia


Por Vivian Lobato, do Aprendiz

Como maior e mais importante centro consumidor e distribuidor de produtos amazônicos, como carne, madeira e soja, a cidade de São Paulo (SP) é uma das principais responsáveis pelo desmatamento, trabalho escravo e grilagem de terras na Amazônia. O dado é do estudo “Conexões Sustentáveis São Paulo Amazônia: Quem se beneficia com a destruição da Amazônia?”, que mostra a relação entre a destruição amazônica e a economia paulistana.

Promovido pelo Fórum Amazônia Sustentável, que reúne empresas e organizações não-governamentais (ONGs) com forte presença na Amazônia, e pelo Movimento Nossa São Paulo, que está propondo alternativas de desenvolvimento para a cidade de São Paulo, o trabalho foi apresentado no Seminário Conexões Sustentáveis: São Paulo Amazônia, que aconteceu na capital paulista.

O principal objetivo da pesquisa é mostrar como diversos setores se beneficiam da derrubada ilegal de madeira, da devastação da floresta e da exploração da mão-de-obra escrava. Além disso, o estudo busca alertar empresas, órgãos públicos e bancos, para que antes de comprarem matérias-primas de seus fornecedores ou financiarem créditos, chequem se eles não têm pendências ambientais e trabalhistas. Dessa forma, o estudo não busca apontar culpados, mas relacionar exemplos que sirvam de referência para aprofundar o conhecimento sobre o tema e, portanto, a busca de soluções.

“Madeireiras, frigoríficos e agroindústrias estão diretamente ligadas ao problema, pois compram de fornecedores que estão na linha de frente do desmatamento. Esperamos conseqüências imediatas, que as empresas cortem relações com esses fornecedores”, afirmou o secretário-executivo do Movimento Nossa São Paulo, Oded Grajew.

O estudo foi elaborado por jornalistas das ONGs Repórter Brasil e Papel Social Comunicação, que durante meses acompanharam as rotas de várias matérias-primas amazônicas. A base da pesquisa foi a região da bacia do Rio Xingu, que tem 51 milhões de hectares e mais da metade de seu território está protegido por Terras Indígenas e Áreas de Conservação distribuída entre os estados do Mato Grosso e Pará.

Segundo o cientista político e coordenador da Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, apesar do limite geográfico do estudo, a situação examinada na bacia do Rio Xingu não é uma exceção. "Pelo contrário, os casos de trabalho escravo e desrespeito à legislação ambiental se repetem em outros locais da Amazônia e são conseqüência de um modelo econômico predatório", ressaltou.

Produtos

Dados da pesquisa revelam que 41% dos bovinos brasileiros são abatidos na Amazônia e que a abertura de novas áreas de pastagem é o principal vetor do desmatamento. Tal processo está mais intenso desde maio de 2007, momento em que a pecuária amazônica ganhou mais força, pois foi considerada área livre de febre aftosa, em contrapartida ao Sul brasileiro que lutava para combater a doença.

No caso da madeira, de acordo com a Diretoria de Florestas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os paulistas consomem 23% do que é extraído da floresta. A quantidade representa mais do que a soma do volume adquirido pelos dois estados que aparecem em segundo lugar, Paraná e Minas Gerais, ambos com 11%.

Um dos problemas recorrentes é que muitas das árvores derrubadas sem autorização chegam legalizadas ao consumidor paulistano - processo mais conhecido como “esquentamento da madeira”. Para isso, são utilizados documentos falsos atestando a origem do produto ou selos de garantia para toda a mercadoria, sendo que apenas parte da matéria-prima extraída possui os certificados.

Para Marques Casara, da Papel Social Comunicação, é essencial que o consumidor conheça de fato de quem está comprando. “O consumidor pode usar o poder de compra para pressionar a rede de varejo a adquirir produtos de fornecedores que tenham uma cadeia produtiva legal”.

Para ajudar o consumidor e as empresas, o site do Ibama disponibiliza a relação de propriedades embargadas. O Ministério do Trabalho e Emprego também divulga semestralmente uma lista, conhecida como “lista suja”, com o cadastro de empregadores que utilizaram trabalho análogo à escravidão.

"Ao efetuarmos uma compra, nós consumidores estamos aceitando a forma como aquele produto foi feito. A questão é que poucos sabem como ele foi produzido. Temos o direito de saber a origem da matéria-prima. Eu acredito que todas as cadeias produtivas deveriam ser transparentes, publicadas de diversas formas", declarou gerente do Ibama em Altamira (PA), Roberto Scarpari.

Conexões Sustentáveis

Vários especialistas presentes no evento opinaram sobre a possibilidade de transformar e estabelecer conexões sustentáveis com a Amazônia.

De acordo com Adriana Ramos, do Fórum Amazônia Sustentável, para as relações com a Amazônia se tornarem sustentáveis, é preciso enfrentar urgentemente grandes desafios socioambientais como o problema fundiário, cobrança no impacto de projetos de infra-estrutura, ilegalidade e inexistência de serviços básicos.

Para o membro da Comissão Executiva do Fórum Amazônia e pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Beto Veríssimo, a Amazônia tem um desenvolvimento econômico de baixa qualidade e a relação com as regiões consumidoras de seus produtos é devastadora. “É um comércio baseado em madeira e pecuária, com muita ilegalidade e até escravidão. Desta maneira, não há como pensar em sustentabilidade. É preciso mudar tudo e assumir metas ambiciosas, como zerar o desmatamento”, explicou.

Segundo a senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, reestruturar as relações econômicas entre as regiões e desenvolver atividades econômicas social e ambientalmente responsáveis na Amazônia é fundamental para a preservação do próprio Brasil como economia emergente. “A contribuição do Brasil em relação à crise ambiental mundial deve ser por meio da capacidade de estabelecer governança na Amazônia. A relevância do Brasil no mundo vem pela Amazônia e não pelo que se pode produzir no Sul/Sudeste”, destacou.

Acordo

Como primeiro resultado da pesquisa e do Seminário, representantes de cadeias produtivas de madeira, soja e pecuária bovina assinaram na última quarta-feira (15), pactos pela comercialização de produtos da Amazônia destinados à cidade de São Paulo que garantam o cumprimento de direitos sociais e a preservação dos recursos naturais.

(Envolverde/Aprendiz)

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