quinta-feira, 30 de julho de 2009

Fast food na Amazônia: Viva a baixa gastronomia

Por Cora Rónai

O porto de Parintins é, com certeza, um dos lugares mais movimentados da Amazônia durante a época do Boi Bumbá. A população da cidade de 70 mil habitantes dobra com os turistas que vêm para a festa e, como boa parte dos visitantes fica hospedada nos barcos e gaiolas em que viaja, o vaivém é constante. Para servir ao mundaréu de gente armam-se incontáveis barraquinhas que oferecem roupas, bijuterias, ervas diversas, óculos escuros e, naturalmente, comida.

Muita comida! Nesse mundo de baixa gastronomia o conforto é zero e a higiene nem sempre confiável, mas o cardápio é variado e criativo, com destaque para os pratos da culinária regional e os peixes de rio. Há pirarucus servidos de todas as maneiras, tambaquis grelhados, jaraquis fritos e deliciosos pacus recheados, mas nada faz tanto sucesso quanto um bicho preto de ar pré-histórico, assado no car vão a ponto de esturricar. É tão feio, mas tão feio, que chama a atenção.

Tabuleiro a tabuleiro, o que mais se veem são pilhas daquele peixe horroroso; e é espantoso ver a rapidez com que essas pilhas somem, devoradas pelos fregueses. Num quase restaurante bem caprichado, montado com telas e plásticos, parei para fotografar e perguntar o nome da coisa.

Descobri que se chama bodó. É encontrado apenas no Amazonas e, mais especificamente, ali mesmo, em Parintins: é o peixe do lugar.

—A senhora precisa experimentar — disse o rapaz da cozinha. — Não vai encontrar em outra parte tão bom quanto o daqui.

Não tenho medo de comida de rua, antes pelo contrário, e peixe em porto movimentado é sempre prato seguro, mas confesso que aquele troço cascudo e queimado estava além dos limites da minha curiosidade. Fechei os olhos e agradeci mentalmente aos deuses não fazer televisão e não precisar comer coisas nojentas em frente à câmera. O problema é que, diante da minha hesitação, juntou-se ao cozinheiro um grupo de fãs do bodó.

—É um peixe muito delicado — explicou a moça da barraca do lado.

Achei a escolha do adjetivo inadequada mas, ainda assim, pedi para ver um bodó cru: vai que minha implicância viesse do aspecto queimado...

—Ah, mas isso a senhora não encontra aqui no porto! O bodó fica podre assim que a gente pesca, por isso tem que ser preparado logo.

—É? Você já trouxe esses aí prontos? —Já sim senhora. Quase prontos. Aqui a gente só esquenta. Mas é fresquinho, foi pescado de manhã.

—E por que é que ele fica podre assim que matam? É por causa do calor? —Não é não. É por causa do que ele come.

—E o que é que ele come? Os homens se entreolharam, sem jeito. Sobrou para a moça que o tinha definido como peixe muito delicado: —É que ele fica no fundo do rio, na lama.

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