segunda-feira, 20 de julho de 2009

Envolverde - BR 319 sem licença ambiental: polêmicas e irregularidades cercam o processo

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) reprovou, em parecer técnico divulgado no dia 9, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O documento aponta que o EIA não reúne informações necessárias para avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento. Mas a Funai (Fundação Nacional do Índio), deu sinal verde para a licença, por meio de ofício enviado ao Dnit, abrindo mão das consultas prévias com os povos afetados.

Por Redação do ISA

A tentativa de asfaltar a BR 319, rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), segue gerando polêmica. O relator de medida provisória 462, deputado Sandro Mabel (PR/GO), tentou liberar a obra, prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em uma MP editada para ajudar municípios. Após pressão ambientalista ele voltou atrás, mas não completamente: apenas acrescentou ao texto que a dispensa de licenciamento não se aplica a obras de rodovias localizadas na Amazônia Legal, excluindo a 319 da lista de “beneficiadas”.

A estrada foi aberta na década de 1970, mas está intransitável desde os anos 80. O governo quer reconstruir 405,7 quilômetros, cruzando trechos de floresta ainda intocada, o que abrirá caminho para um quadro de desmatamento acelerado em uma das áreas mais preservadas da Amazônia. “Esse é o típico caso em que deveria ser feita uma avaliação ambiental estratégica que levasse em conta a visão de futuro que se quer para a região, considerando os cenários previstos de mudanças climáticas e os compromissos brasileiros associados ao controle dos desmatamentos na Amazônia”, avalia Adriana Ramos, secretária executiva adjunta do ISA.

Funai a favor?

O Ibama divulgou parecer contrário ao EIA apresentado pelo Dnit. O documento determina que a licença não pode ser emitida porque, além da baixa qualidade do estudo, as 10 condicionantes impostas pelo GT interministerial, coordenado pelo MMA, não foram cumpridas.

Além do não cumprimento das condicionantes, o parecer do Ibama explicita outras irregularidades. Destaca que vistorias recentes revelaram o aumento de áreas de desmatamento, resultado do avanço da ocupação das margens da rodovia na fase atual de anúncio da reconstrução da estrada, bem como do aumento da atividade madeireira ilegal.

Nesse documento é citado ainda um ofício da Funai ao Dnit, favorável à licença, com simples referência à necessidade de “várias reuniões com todas as comunidades indígenas”, conforme copiado abaixo:

16/06/2009 – o Dnit envia cópia do Ofício 185/2009/PRES-FUNAI, de 10/06/2009, onde a Funai comunica que não há óbices para a Licença Prévia da rodovia, no entanto, vincula a definição das condicionantes sobre o Componente Indígena somente após várias reuniões com todas as comunidades indígenas; (pág. 14 do parecer do Ibama)

A questão é que as consultas com as populações afetadas, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, devem ser realizadas antes da tomada de decisão – o que deveria incluir a liberação ou não da licença prévia para a obra. (Saiba mais sobre o direito de consulta livre, prévia e informada). A assessoria de comunicação da Funai, questionada sobre de que adiantaria consultar os povos após a liberação da licença prévia, não retornou com uma posição oficial sobre esse ponto. Apenas ratificou o conteúdo do ofício enviado ao Dnit, afirmando que "após as reuniões, deverão ser apresentadas as condicionantes para o prosseguimento do licenciamento em causa".

Já a assessoria de comunicação do Dnit informou, por e-mail, que a licença ambiental para a BR-319 está prestes a ser concedida e que o departamento está adotando todas as medidas determinadas pelo Grupo de Trabalho criado pelo Ministério do Meio Ambiente para elaborar diretrizes e acompanhar o licenciamento ambiental da BR-319. Está na mensagem que “o Dnit entende que os impactos ambientais causados por uma rodovia existente e definida no Plano Nacional de Viação já foram admitidos como necessários pela sociedade, na época de sua construção”.

Para o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a obra pode se tornar "a estrada da destruição". Ele afirmou em coletiva que o licenciamento ambiental da BR-319 é uma “guerra”, e que a licença não será concedida enquanto as condicionantes ambientais não forem efetivadas.

Viabilidade zero

Estudo da organização Conservação Estratégica (CSF Brasil), demonstra que o projeto de restauração e de pavimentação da BR-319, orçado em R$ 557 milhões, é economicamente inviável: a diminuição nos custos de transporte não seria suficiente para cobrir os custos da reforma. O prejuízo chegaria a R$ 316 milhões nos próximos 25 anos. Com a implantação de 29 parques e reservas ao longo da rodovia o custo aumentaria mais R$ 469 milhões, em valor presente. Porém, sem a proteção de reservas, a reforma da estrada poderia causar desmatamento e esgotamento de recursos naturais, gerando um custo ambiental para a sociedade calculado em pelo menos R$ 2,2 bilhões. De acordo com o autor, o analista sênior Leonardo Fleck, para ter viabilidade, levando em conta somente os custos da redução das perdas ambientais em unidades de conservação, o projeto teria de gerar benefícios adicionais de R$ 785 milhões, o equivalente a cinco vezes os benefícios estimados para a rodovia. A conclusão do estudo é de que em vez de reformar a rodovia o governo poderia estudar o investimento na melhoria de hidrovias, portos e aeroportos. De acordo com Fleck, até a promoção do transporte aéreo subvencionado à população de baixa renda que realmente necessita se deslocar entre Manaus e os municípios do sul do Amazonas seria mais viável que reconstruir a BR. “Quanto às poucas famílias que vivem precariamente ao longo do trecho analisado, poderiam ser oferecidos terrenos similares próximos às cidades de Humaitá e Careiro, onde os diversos serviços públicos são mais acessíveis", afirma. Fleck ainda cita estudo da equipe de Britaldo Soares-Filho da UFMG, o qual aponta que a reconstrução da rodovia induzirá o aumento do desmatamento na região em 4 milhões de hectares em 2030, e 8,2 milhões em 2050, esmatamento maior do que as rodovias BR-163 e Interoceánica, quando analisadas separadamente, caso medidas mitigadoras de inédita efetividade não sejam implementadas.

(Envolverde/ISA)

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