domingo, 5 de julho de 2009

O Globo - Senadora boa de briga é a nova face dos ruralistas

BRASÍLIA. Para os ruralistas, ela é a linha de frente, a senadora que não foge da boa briga e impõe suas opiniões. Para os ambientalistas, uma miss, a Miss Desmatamento. Aos 47 anos, Kátia Abreu (DEM-TO) nem de longe lembra a mulher que, há 20 anos, se submetia às ordens de um marido machista.

Por Catarina Alencastro

Kátia Abreu, hoje presidente da CNA, entrou na política por acaso e agora é alvo dos ambientalistas do governo Lula

Nessa época, a hoje presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) não sabia diferenciar um boi de uma vaca.

Hoje, é dona de patrimônio estimado em R$ 15 milhões. Mas apenas uma pequena parte dos bens foi declarada à Justiça Eleitoral em 2006.

Ao concorrer ao Senado, a ruralista registrou patrimônio de R$ 437,1 mil. Na lista, o carro mais novo é um Polo Sedan 2004. Há duas fazendas com área total de 2,4 mil hectares. A maior delas, no loteamento Santa Catarina no município de Campos Lindos (TO), está registrada por pouco mais de R$ 10 mil. A outra por R$ 27 mil. A própria Kátia explica: parte do patrimônio foi declarada com valor não atualizado, segundo ela, como permite a legislação.

Outra parte está registrada em nome dos filhos: — Nós somos uma família muito unida. A gente não faz essa separação. Lá não tem isso de “isso é meu, isso é seu”.

Tragédia com marido mudou vida da estudante de 25 anos

Kátia entrou na política por acaso. Aos 25 anos, cursava o último ano de psicologia e estava grávida de dois meses do terceiro filho quando uma tragédia mudou sua vida. O marido, grande criador de gado em Tocantins, então com 39 anos, sofreu um acidente aéreo fatal. Ela se viu obrigada a decidir se voltava para Goiânia, onde contaria com os pais, ou tocava a fazenda.

— Meu marido era muito machista.

Para ele, mulher tinha que ser dona de casa, cuidar dos filhos e só. Ele dizia que, quando morresse, era para deixar a fazenda virar saroba (abandonada), que quando os meninos crescessem eles cuidariam, já que eu não ia dar conta — contou. — Quando ele morreu, pensei: aqui não vai virar fazenda de viúva (segundo ela, na roça, quando uma fazenda está abandonada dizem que é fazenda de viúva). Falei que ia resgatar o meu nome. Quando o marido morre, a primeira coisa que acontece é a mulher perder o nome. Falei para mim: não vou ser a viúva do Irajá.

Na época, aprendeu a dirigir trator, a vacinar, ela mesma, as 2.500 cabeças de gado que tinha herdado do marido e começou a agitar a vida do interior do Tocantins. Virou presidente do sindicato rural de Gurupi, terceira maior cidade do estado, depois presidente da Federação da Agricultura de Tocantins e, em 1998, foi surpreendida com o convite da maior liderança do estado, o então governador Siqueira Campos, para disputar uma cadeira de deputada por sua legenda. Perdeu por 500 votos.

Dois anos depois, assumiu como suplente e, em poucos meses, foi escolhida para presidir a Frente Parlamentar da Agricultura no Congresso. Em 2002, elegeuse deputada com o maior número de votos no estado. E em 2006, numa campanha disputadíssima contra Siqueirinha (filho do ex-governador), por uma única vaga no Senado, galgou mais uma vitória política.

Oposicionista, tem trânsito no governo, por ter se tornado uma das principais representantes do setor rural. Coube a ela a relatoria do polêmico projeto do governo enviado recentemente ao Legislativo, a MP da regularização fundiária na Amazônia.

Antes, relatara o projeto que acabou com a CPMF.

Com fama de brava, Kátia bateu de frente com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

Depois que ele chamou os ruralistas de vigaristas, ela pediu sua renúncia e atacou-o em discurso no Senado. Agora, diz ter superado a briga, sem perceber que, ao tratar dele, sequer menciona seu nome.

— Fico me perguntando que interesse há por trás disso. Ele não ficou louco de repente. Ele não altera a minha vida, não tenho ódio, nem mágoa. Ele não significa nada para mim — diz.

Perguntada sobre o fato de Minc dizer que vai procurá-la porque a acha “bonita, inteligente e articulada”, engrossa: — Eu não quero que ele debata comigo se eu sou bonita ou feia. Ele tem que debater comigo por dever, porque represento uma categoria, e ele é ministro de Estado. Ele demonstra com essas palavras, essas coisas chulas e engraçadinhas, um certo despreparo para o cargo. Ele não pode se comportar como uma alegoria de escola de samba.

O colega Demóstenes Torres (DEM-GO) diz que se surpreendeu com a capacidade da senadora para debater. Ele lembra do embate que ela travou com a ministra Dilma Rousseff contra a prorrogação da CPMF.

— Ela interpelou a Dilma com conhecimento de causa.

Naquela ocasião, era a parlamentar mais preparada para enfrentar a ministra — diz.

— As principais características dela são a coragem, a determinação e a aplicação nos assuntos aos quais se dedica — completou o líder do DEM, senador Agripino Maia (RN).

Quando o assunto é meio ambiente, no entanto, Kátia Abreu desperta outro tipo de paixão.

Recentemente foi eleita pelo Greenpeace como Miss Desmatamento.

Para o diretor de Políticas Públicas da ONG, Sérgio Leitão, ela quer fazer com a Amazônia o mesmo que levou à destruição da Mata Atlântica.

— Ela incorpora a voz do Brasil do atraso — diz, completando que, como representante da CNA, ela não tem isenção para relatar matérias sobre o meio ambiente.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, compartilha parcialmente dessa visão: — Respeito as posições dela, mas defendo que há um Brasil arcaico escondido. A senadora não é uma parceira nessa luta. Às vezes é uma lutadora do lado errado.

Quando o marido morre, a primeira coisa que acontece é a mulher perder o nome. Falei para mim: não vou ser a viúva do Irajá
Kátia Abreu, senadora

Ela incorpora a voz do Brasil do atraso
Sérgio Leitão, diretor do Greenpeace


Nenhum comentário: