sexta-feira, 5 de junho de 2009
Envolverde - O valor da floresta em pé
Por Sônia Araripe, da revista Plurale
Ribeirinhos recebem o Bolsa Floresta e benfeitorias da Fundação Amazonas Sustentável para garantir a preservação da biodiversidade da região. Coca-Cola, Bradesco e o Governo do AM patrocinam o projeto.
Do alto, avista-se um tape natural verde, formado pelas copas das árvores mais altas, interrompido apenas pelo desenho irregular e belo dos rios em tom de marrom entrecortando a paisagem. No céu, uma névoa branca, sinal de muita umidade, e nuvens pesadas que teimam em provocar rápidas tempestades tropicais para confirmar que estamos na maior floresta tropical. Reduto de 20% de toda água doce do planeta. Desmatamento apenas perto da cidade grande, no caso, Manaus. Para a frente, o visual é mesmo o que todo documentário ou livro sobre a Amazônia evoca nos olhares curiosos dos espectadores. “Parece um brócolis gigante”, compara a visitante que pisava na região pela primeira vez.
Não é brócolis gigante, muito menos a imagem estereotipada que a grande vastidão da floresta nos evoca na memória. É Amazônia preservada aos olhos de quem já esteve algumas vezes em diferentes rincões da região, mas não poderá jamais se esquecer daquela beleza singular. Sempre como se fosse a primeira vez. Um povoado aqui, outro acolá, lá de cima mal dá para ver as poucas estradas que ali existem. Os rios fazem lugar de estradas. O hidroavião reduz a altura, sobrevoando um pequeno povoado. Estamos já sobrevoando nosso destino final: a comunidade de São Francisco do Caribi, às margens do Rio Uatumã, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, uma extensa área com 424.430 hectares, com 20 comunidades. O pouso é suave e a chegada emocionante.
Os moradores do Caribi estão ali, reunidos, aguardando os visitantes. Como boas vindas, cantam, rezam e também se emocionam. Apresentações feitas e começamos a visita para valer. São 15 famílias que vivem como se fossem uma grande família. Os desbravadores vieram há 36 anos, os filhos cresceram, fizeram suas famílias, hoje já na terceira e quarta gerações. Quem não é parente é como se fosse. O que era um paraíso para os fundadores passou a ter também problemas: o rio Uatumã, depois da construção da hidrelétrica de Balbina, em 1988, reduziu, e muito , a biodiversidade. “Aqui tinha de tudo, como pirarucu, peixe-boi e até tartaruga. Era uma fartura!”, recorda-se Jaime Neves Miranda, 72 anos, um dos primeiros moradores do lugarejo, tendo chegado lá em 1973. Houve uma grande mortandade de peixes naquela época e depois rarearam mesmo. Espécies predadoras, como a piranha e tucunarés, mudaram completamente o bioma, explica Carlos Gabriel Koury, engenheiro florestal da ONG Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas) que trabalha em parceria com a FAS. “Ainda dá peixes, mas nem lembra aqueles bons tempos”, lamenta Seu Jaime.
Ele é pai de Neide, podem chamá-la assim, embora no documento esteja escrito Maria Lucineide Rodrigues Miranda. Aos 41 anos, a presidente da associação de moradores de São Francisco do Caribi, sabe a luta que tem sido para esta comunidade se manter e crescer, florescendo como a região em volta. São cerca de 360 quilômetros de Manaus que podem ser facilmente desbravados em menos de uma hora de vôo até este ponto da reserva. Mas, de barco, são 16 horas até a capital. Não há luz (só lamparinas e geradores movidos ao motor de barco com óleo diesel apenas para situações de emergência), nem esgoto (só fossas). Até existe um pequeno posto de saúde, mas não há médicos ou enfermeiros e o socorro mais próximo fica a cerca de duas horas de barco. Há um telefone público, mas é quase um cartão postal na paisagem: as crianças brincam que é como pai de santo, apenas recebendo e tão raramente que quando toca até assusta.
Nova escola - Eles cantam, estariam, então, felizes? Neide emociona-se ao dizer que pela primeira vez vê uma preocupação verdadeira com o povo do Caribi e de outras comunidades ribeirinhas. “Estão olhando para nós, prestando atenção na gente”, resume. Uma escola maior, para 70 alunos, que atenderá desde o início até a conclusão do Ensino médio está sendo construída. Do lado terá até um alojamento para os professores morarem de segunda a sexta, regressando para suas casas no fim de semana. A localização exata da nova escola fica entre as comunidades de São Francisco e a de Cesaréia, na Boca do Caribi, no Rio Uatumã. Por aqui não há números ou nomes de ruas: as referências geográficas da floresta são assim.
Os quatro filhos mais velhos de Neide (são nove ao todo) – como outros jovens da região – precisam morar com familiares e estudar em Itapiranga, a 25 km de distância, porque não há escola ali para eles. A pequena escolinha que hoje atende apenas seis crianças – como Jenifer, Ivan, Rodney e Judson – só atende os menores e o professor se desdobra para vir do município de barco até o lugarejo. Precisa dormir lá de segunda a sexta e voltar apenas no fim de semana para casa.
As esperanças agora estão voltadas para as obras em ritmo acelerado de um grande galpão de madeira que está sendo construído perto do campo de futebol. No terreno está sendo erguida - com madeira de manejo da região (maraçanduba e argelim) - a nova escola dos sonhos da comunidade. As telhas são de material reciclado. “Isso aqui vai mudar nossa vida, tenho certeza”, diz a catarinense Denise, casada com Salomão Barbosa, 38 anos, o primeiro presidente da associação de moradores do Caribi. Denise chegou à região amazônica com o primeiro marido, trabalhador de uma madeireira em Itacoatiara (AM). Tiveram um filho, hoje com 15 anos, que não vive com a mãe por causa da falta de escola para sua série. “Ele já está com a vida feita lá na cidade, com o pai, mas sonho que outras mães, como a Neide, não precisem nunca mais se separar de seus filhos”, diz Denise.
Os olhos à que Neide se referiu para a região vêm de longe e são de gente poderosa. São Francisco do Caribi é apenas uma das comunidades que integra o ambicioso e bem orquestrado projeto da Fundação Amazonas Sustentável, a FAS, parceria que une governo, empresas e a sociedade civil. Governo do Amazonas, Coca-Cola Brasil e Banco Bradesco (Banco do Planeta) acreditam ser possível defender o valor da floresta em pé. Em troca, remuneram os habitantes e terão o direito de compensar emissões de carbono através do mecanismo chamado REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal).
Os ribeirinhos, no papel de guardiões da biodiversidade da região, recebem o bolsa-floresta, de R$ 50 por mês por família e a comunidade também é beneficiada com recursos e benfeitorias para evitar que grileiros, caçadores e desmatadores se infiltrem na região. “Percebi que era preciso fazer algo por esta região tão bela, mas também tão carente. Ouvi, quando ainda estava em campanha para o primeiro mandato, as reivindicações deles. Começamos a desenhar um projeto que garantisse a floresta em pé e fosse capaz de atender os apelos de nosso povo”, explicou o governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), para Plurale. Foi o ambientalista Virgílio Viana, então secretário de Meio Ambiente, que começou a arquitetar o projeto, oficialmente lançado em dezembro de 2007. A FAS é uma institutição sem fins lucrativos, de interesse público, não governamental e sem vínculos político-partidários.
Mais famílias atendidas - Viana é hoje o diretor da FAS e conhece bem a realidade local. O modelo da fundação foi baseado nos endowment funds americanos, pretendendo reduzir a zero o desmatamento nas unidades de conservação. Na fundação, o Governo do Amazonas entrou com R$ 20 milhões iniciais e o Bradesco com outros R$ 20 milhões. Mais recentemente, em fevereiro, a Coca-Cola Brasil doou outros R$ 20 milhões. “Precisamos dos produtos e serviços ambientais do poder público e, por outro lado, da capacidade de financiamento privado para alavancar ações”, explica Viana. Na presidência da Fundação está ninguém menos que o ex-ministro do Desenvolvimento, empresário de tradição, Luiz Fernando Furlan. “Estou muito entusiasmado com este trabalho que une esforços. Nossa meta é alcançar 8 mil famílias beneficiadas em dezembro deste ano”, disse Furlan. Até dezembro último eram 4,5 mil famílias beneficiadas com o Bolsa Floresta em 14 Unidades de Conservação, através de cartão bancário.
Este não é o único benefício para os guardiões da biodiversidade amazônica. Há investimentos em infra-estrutura também. O Bolsa Floresta é dividido em quatro modalidades: Familiar, Renda, Associação e Social. A mãe de cada família retira o benefício quando vai à cidade mais próxima, normalmente a cada três meses. O Bolsa Floresta Renda é um investimento anual, em torno de R$ 350 por família ao ano, multiplicado pelo número de famílias em cada unidade de conservação, para desenvolver as potencialidades de cada reserva, permitindo melhor renda aos moradores. São realizadas ainda oficinas em cada RDS com profissionais da Fundação para definir de que forma os recursos serão direcionados. Já a modalidade Associação se refere aos investimentos na Associação de Moradores das Reservas, como a compra de lancha com motor 40 HP ou computadores, etc. Equivale a 10% da soma das bolsas familiares daquela comunidade.
O social é a quarta categoria do Bolsa Floresta e atua nas áreas de educação, saúde, transporte e comunicação, também um investimento anual, em torno de R$ 350 por família ao ano, multiplicado pelo número de famílias em cada unidade de conservação. O formato do projeto contou com o apoio de empresas mundialmente reconhecidas, como a Bain & Company, que trabalhou pro-bono e a Pricecooperswaternouse na parte de auditoria externa. Furlan explica que cerca de 70% dos recursos da Fundação são para atividade-fim. Além das doações, em algum tempo deverá ter o reforço também dos serviços e produtos ambientais provenientes das UCs.
Unidades de Conservação - O Estado do Amazonas tem 35 Unidades de Conservação estaduais, totalizando uma área de 16.489.111 hectares protegidos. Destas, 27 são de Uso Sustentável (13.392.346 hectares, ou 8% do território do estado) e oito de Proteção Integral com 3.096.765 ha, correspondendo a 2% do território do Estado. Para implementar essas áreas, o Estado do Amazonas conta com os Programas Rede de Conservação, Áreas Protegidas da Amazonas (ARPA) e Projeto Corredores Ecológicos. Esses programas identificam áreas de relevante interesse no que se refere à alta biodiversidade e/ou alta vulnerabilidade, apresentando proposições de usos adequados, bem como apoio à criação e gestão de unidades de conservação. Mas a Fundação não gerencia as UCs: a gestão das unidades de conservação do Amazonas é de responsabilidade do Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC) vinculado à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS).
“Com pouco é possível mudar realidades”, diz Furlan. Na pequena comunidade da Reserva de Uatumã é possível verificar que a prática está mesmo fazendo diferença. Um barco novo, veloz, pode funcionar até como ambulancha, como se diz nesta área onde tudo é transportado pelo rio. Alguns moradores fizeram curso de artesanato com madeira e começar a desenvolver as técnicas. As benfeitorias na comunidade também começam a ser vistas. O Bolsa Floresta não é muito, mas garante um pouco a mais de comida na mesa. “Poderiam aumentar um pouco, não é?”, sugere Neide.
Mas fome ninguém passa, asseguram os moradores. Salomão mostra que dá para pescar o suficiente para encher os pratos, assim como plantar mandioca e outros alimentos para subsistência. O que falta para complementar o dia-a-dia tem que ser comprado. Sua mulher, Denise, mostra a dispensa com o arroz, feijão e farinha que não podem faltar. A casa é simples, mas limpa e asseada como convém o costume do povo ribeirinho. E a vista.... esta, como diria recente campanha publicitária, não tem preço. Um por do sol no Amazonas e a riqueza da biodiversidade local garantem a felicidade deste povo. O camu-camu, riquíssimo em vitamina C, por exemplo, dá para ser colhido com as mãos nos igarapés. Também outras espécies típicas da região. “Isso aqui é muito bom, não troco por nada!”, resume Luiz Gonzaga de Aguiar, agricultor, que não chegou a casar, mas é uma espécie de tio ou avô de todos por ali. Acha que tem 75 anos, conta já ter pego malária várias vezes e outras doenças tropicais, sonha em aprender a escrever “uns rabiscos” além do seu nome. Quando a nova escola estiver pronta, Seu Gonzaga quer também ter sua vez. “Vou aprender a escrever para poder mandar cartas, muitas cartas.” “E para quem?” - pergunto. “Para os políticos, eles precisam defender a gente”, diz, com a voz firme.
Setor privado - Em fevereiro último, quando oficializou a doação de R$ 20 milhões, o presidente da Coca-Cola Brasil, Xiemar Zarazúa, afirmou que toda esta ação sustentável está alinhada com o focado programa de Sustentabilidade do grupo global. “O trabalho desenvolvido pela FAS está em linha com a plataforma de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, Viva Positivamente. Estamos felizes em poder contribuir para a preservação da biodiversidade brasileira através da geração de renda baseada em atividades sustentáveis”, afirmou Zarazúa.
A entrada do Bradesco na FAS logo na fundação veio junto com a ação Banco do Planeta, que insere ainda mais o grupo financeiro no caminho da sustentabilidade. A doação também foi de R$ 20 milhões, como a do Governo do AM, e envolve outras ações, como um cartão de crédito com plástico reciclado que reverte parte do volume de negócios para investimentos nas reservas. O mesmo já aconteceu com o título de capitalização Pé Quente que prevê doação para os projetos na Amazônia. Lançada em março deste ano, a primeira série de 250 mil títulos Pé Quente Bradesco Amazonas Sustentável (PQBAS), da Bradesco Capitalização, já foi totalmente vendida. O plano original era esgotar a série apenas no fim do ano. Antes, com a parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, alguns produtos também venderam muito bem. O diretor executivo do Bradesco, Domingos de Abreu, e diretor de marketing, Luca Cavalcanti, estiveram em Manaus para solenidade da adesão da Coca à FAS. "Se a parceria com a SOS Mata Atlântica já rendeu muito no apoio à preservação, este cartão de crédito, envolvendo a Amazônia, tem um potencial ainda maior", avaliou Domingos de Abreu.
A rede Marriott de hotéis também é parceira da Fundação, mas sem doação nos valores dos demais. Clientes da rede internacional poderão doar quantias para preservar a Amazônia ao fazerem o check-out. No futuro, quem sabe, é possível pensar em turismo sustentável, atraindo turistas para as reservas. Beleza não falta. “É uma região belíssima”, lembra o Governador Eduardo Braga. E novos investidores também poderão entrar no desenho de apoiadores da Fundação. Sempre um em cada atividade. Como a Coca-Cola já entrou, não será chamada, por exemplo, a Ambev. Ou outro banco concorrente do Bradesco. Mas há uma infinidade de grandes grupos que poderão vir a entrar também na iniciativa.
Reserva do Juma - Qual o interesse destes grupos privados? Além da boa visibilidade de marketing e o engajamento em uma ação concreta de sustentabilidade está ainda a possibilidade de neutralizar as emissões e poder atuar na venda de créditos de carbono. A Reserva do Juma, incluída no programa da FAS é pioneira na metodologia de Quantificação da Redução de Carbono por Desmatamento Evitado, com a validação da certificadora alemã Tüv Süd, que atua pelo padrão CCBA - Climate Community and Biodiversity Alliance. O projeto recebeu a pontuação máxima na categoria Gold, o primeiro do mundo a se inserir nesse padrão, e tornou-se a primeira área do Brasil e das Américas a ser certificada por desmatamento evitado. "É a primeira vez que temos uma contabilidade do carbono fiscalizada e certificada pelo CCBA", orgulha-se o diretor-geral da Fundação, Virgílio Viana.
Ocupando uma área de 5.896 km², o equivalente a quatro vezes o município de São Paulo, a reserva tem um alto risco de desmatamento porque está às margens da rodovia AM-174. Parte das famílias locais é beneficiada pelo Bolsa Floresta. A cultura de mandioca complementa a renda.
Este projeto tem uma estimativa de contenção de desmatamento de 366.151 hectares de floresta tropical, do total de 589.612 hectares que compõem a Reserva do Juma. Atualmente, o Brasil ocupa o quarto lugar entre os maiores emissores de gases que causam o efeito estufa, sendo que cerca de três quartos dessa emissão provêm da destruição das matas. Segundo Virgílio Viana, até o primeiro período de creditação, em 2016, estima-se conter a emissão de 4.013.025 toneladas de CO². “O projeto durará até 2050, quando estima-se que deverá evitar emissões de 189.767.027 toneladas de CO²."
* A editora de Plurale em Revista viajou a convite da Coca-Cola Brasil, da Fundação Amazonas Sustentável e do Governo do Amazonas.
(Envolverde/Revista Plurale)
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