quinta-feira, 25 de junho de 2009

Folha - Lula vetará só um ponto da MP da Amazônia

Por KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Presidente vai derrubar trecho da medida provisória que permitiria a transferência de terras da União para pessoas jurídicas

Apesar de ser concessão aos ambientalistas, que pediram veto a outras partes da MP, decisão representa uma vitória de grupos ruralistas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que vai vetar apenas uma parte do artigo 7º da medida provisória 458. Segundo a Folha apurou, será a parte que permitiria a transferência de terras da União para pessoas jurídicas.
A decisão presidencial é uma vitória dos ruralistas, mas com uma concessão aos ambientalistas, a fim de dar ao governo discurso político para sustentar uma medida polêmica.

Segundo um ministro, a parte que será vetada por Lula não constava de um acordo original realizado entre o governo e a bancada ruralista quando a MP foi aprovada pela Câmara. No Senado, não houve modificação como estratégia dos ruralistas para que a MP não perdesse o prazo de validade.

Havia pressão de ambientalistas e da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva para que fossem vetadas outras partes da medida. Lula, porém, esteve inclinado a sancionar na íntegra a MP aprovada pelo Congresso.

No entanto, ele avaliou que seria justa uma concessão política aos ambientalistas, pois o inciso 2 do artigo 7º, permitindo transferência de terras públicas para pessoas jurídicas, não constava do acordo articulado por seu ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel.

O presidente considera que uma sanção integral traria desgaste à imagem do governo no exterior. Por isso Lula considerou os pedidos dos ambientalistas. Além do veto que foi feito, eles queriam que fosse vetada a parte da MP (artigo 2º) que permite a regularização de terras ocupadas por prepostos.

Um ministro diz que a exigência dos ambientalistas era regularizar apenas áreas de quem realmente morava na terra e não prepostos. Segundo esse auxiliar do presidente, que participou da reunião de ontem sobre a MP 458, muitos produtores rurais não vivem nas suas terras. Ou seja, o fato de não morar não significaria que o proprietário seja desmerecedor da posse regular da terra, argumenta esse ministro.
A MP pretende regularizar 67,4 milhões de hectares -área equivalente às de Alemanha e Itália juntas. Ela prevê a doação das terras a pessoas físicas que possuam até 100 hectares. Haverá uma cobrança simbólica para propriedade de até 400 hectares. Entre esse tamanho e 1.500 hectares, será feita uma venda pelo valor de mercado.

Entidades ligadas aos ruralistas comemoraram a edição da MP, mas quem trabalha na área ambiental lamentou.

Para o pesquisador Paulo Barreto, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a MP vai facilitar "esquemas de regularizar a grilagem". Já o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho da Silva, considerou o resultado "positivo" e disse que o veto é "não muda em nada a essência" da MP.

OPINIÃO

Decisão não ameniza derrota ambientalista

Por CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Com a decisão de vetar apenas uma parte do artigo 7º da MP 458, Lula impõe mais uma derrota aos ambientalistas. Proibir que empresas se beneficiem da regularização fundiária num primeiro momento não impede a grilagem.
Primeiro, porque grileiros não operam por pessoa jurídica. Pessoas jurídicas têm CNPJ e endereço e pagam impostos. A qualquer momento podem ser fiscalizadas e punidas.

Grileiros usam laranjas -ou "prepostos", na novilíngua ruralista-, pessoas físicas que abocanham quinhões de terra em seu nome que, juntos, compõem o latifúndio. A nova lei da terra na Amazônia deixa esses laranjas livres para operar.

Depois, porque dificilmente uma empresa agropecuária ou madeireira limitaria sua atividade a 1.500 hectares. Na Amazônia, a escala é de milhares ou dezenas de milhares de hectares, medida da ineficiência com que se produz ali. Portanto, o limite estabelecido pelo artigo 7º era só um bode (ou boi) na sala.

Finalmente, após três anos, o "empresário" rural poderá "comprar" de quem bem entender -cunhados, agregados, funcionários, primos- as terras regularizadas, pagas em 20 anos com carência de três de até 1.500 hectares.

Os outros convites à vigarice fundiária e ambiental também permanecem: a dispensa de vistoria das terras até 400 hectares, o preço simbólico, as generosas condições de ajustamento de conduta e a necessidade de "aproveitamento racional" da área -leia-se desmatamento- para comprovar a posse. Na Amazônia de Lula, os grilos estão pulando mais felizes do que nunca.

Procuradores apontam supostas inconstitucionalidades de MP

DA AGÊNCIA FOLHA, EM CUIABÁ

A medida provisória 458, que estabelece regras para a regularização fundiária de 67,4 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia e será assinada hoje pelo presidente Lula, tem nove pontos que ferem a Constituição Federal.

A conclusão consta de nota técnica encaminhada ontem a Lula pelo Grupo de Trabalho de Bens Públicos e Desapropriação, formado por três procuradores do Ministério Público Federal. Há duas semanas, 37 procuradores que atuam na Amazônia já haviam se manifestado contra a medida.

Desta vez, a manifestação é assinada por procuradores que atuam no Espírito Santo, no Paraná e em Mato Grosso do Sul. Segundo eles, a medida provisória "atenta contra a política nacional de reforma agrária, contra a legislação de licitações e prejudica a proteção a populações tradicionais".

A sanção integral colocará sob risco, segundo a nota, "povos indígenas, quilombolas e também posseiros pobres que foram atraídos para a Amazônia por estímulo governamental". Os procuradores lembraram a ausência de menção, no texto, à identificação de áreas pertencentes a esses grupos.

"Desta forma, a MP aumenta a possibilidade de conflitos em razão da titulação indevida destes locais, alterando e comprometendo atributos que garantem a integridade do bioma amazônico", diz a nota técnica.

A destinação de terras a ocupantes "originariamente ilegais" é, segundo a nota, inconstitucional. "O aproveitamento da omissão do Estado contraria o parágrafo único do artigo 191, que proíbe a aquisição de imóveis públicos por usucapião."
Já a dispensa de licitação não atende, segundo a nota, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. "A única circunstância que o difere [o posseiro ilegal] de demais interessados na terra seria sua ocupação primitiva, seu pioneirismo na ilegalidade."

Outro ponto controverso é o que abre a possibilidade de negociação das terras regularizadas após três anos -quando o prazo constitucional mínimo é de dez anos. Para os procuradores, a regra atual existe justamente para evitar "que a ocupação do imóvel rural seja mero objeto de especulação".

A nota diz que a regularização fundiária por meio de "titulação direta" e sem licitação é possível, mas apenas "diante dos princípios que regem a reforma agrária e após a demonstração dos requisitos indispensáveis à comprovação da função social da propriedade rural (sob pena de inconstitucionalidade e desvio de finalidade)".

A reportagem procurou o Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas não conseguiu contato com o setor responsável. A assessoria de Kátia Abreu (DEM-TO), relatora da MP no Senado, disse que tentaria contato com a senadora, mas não respondeu até a conclusão da edição. (RODRIGO VARGAS)


Ambientalista critica medida e ruralista festeja

DA REPORTAGEM LOCAL

A edição da medida provisória 458 com o veto apenas do artigo que permite a transferência de terras da União para pessoas jurídicas foi comemorada por entidades ligadas aos ruralistas e lamentada por quem trabalha na área ambiental.

O pesquisador-sênior Paulo Barreto, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), resumiu em duas palavras: "É ruim". Em sua avaliação, com apenas esse veto, a MP vai facilitar "os esquemas de regularizar a grilagem".

Segundo Barreto, a medida "vai levantar a preocupação e a vigilância do movimento ambientalista".
Já o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho da Silva, considerou o resultado "positivo" e disse que o veto à questão das empresas é "um pequeno detalhe" que "não muda em nada a essência" da MP.

"O princípio básico está mantido, que é a identificação de quem está lá. Agora, quando o satélite vir o desmatamento, vai saber que ali embaixo é o lote de João ou de Pedro", disse. Para ele, o veto às pessoas jurídicas só é importante "do ponto de vista da opinião pública".

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